O Evangelho dos Evangélicos e o Evangelho do Reino de Deus
Ed Rene Kivitz
Olhe para você, e você vai encontrar em toda a longa jornada de sua vida apenas ódio, solidão, desespero, ruína e decadência. Mas olhe para Cristo e você vai encontrá-Lo, e com Ele tudo o que mais você necessita. C. S. Lewis
Ed Rene Kivitz
A famosa foto de Che Guevara, conhecida como Guerrilheiro Heróico, onde aparece seu rosto com a boina negra olhando ao longe, foi tirada por Alberto Korda em cinco de março de 1960 quando Guevara tinha 31 anos num enterro de vítimas de uma explosão. Somente foi publicada sete anos depois. O Instituto de Arte de Maryland- EUA denominou-a "A mais famosa fotografia e maior ícone gráfico do mundo do século XX". A imagem mais reproduzida de toda a história expressa um símbolo universal de rebeldia, em todas suas interpretações.
Omayra Sanchez foi uma menina vítima do vulcão Nevado del Ruiz durante a erupção que arrasou o povoado de Armero, Colômbia em 1985. Omayra ficou três dias jogada sobre o lodo, água e restos de sua própria casa e presa aos corpos dos próprios pais. Quando os paramédicos de parcos recursos tentaram ajudá-la, comprovaram que era impossível, já que para tirá-la precisavam amputar-lhe as pernas, e a falta de um especialista para tal cirurgia resultaria na morte da menina. Omayra mostrou-se forte até o último momento de sua vida, segundo os paramédicos e jornalistas que a rodeavam. Durante os três dias, manteve-se pensando somente em voltar ao colégio e a seus exames e a convivência com seus amigos. O fotógrafo Frank Fournier, fez uma foto de Omayra que deu a volta ao mundo e originou uma controvérsia a respeito da indiferença do Governo Colombiano com respeito às vítimas de catástrofes. A fotografia foi publicada meses após o falecimento da garota. Muitos vem nesta imagem de 1985 o começo do que hoje chamamos Globalização, pois sua agonia foi vivenciada em tempo real pelas câmeras de televisão de todo o mundo.
Em oito de junho de 1972, um avião norte-americano bombardeou a população de Trang Bang com napalm. Ali se encontrava Kim Phuc e sua família. Com sua roupa em chamas, a menina de nove anos corria em meio ao povo desesperado e no momento, que suas roupas tinham sido consumidas, o fotógrafo Nic Ut registrou a famosa imagem. Depois, Nic levou-a para um hospital onde ela permaneceu por durante 14 meses sendo submetida a 17 operações de enxerto de pele. Qualquer um que vê essa fotografia, mesmo que menos sensível, poder ver a profundidade do sofrimento, a desesperança, a dor humana na guerra, especialmente para as crianças. Hoje Pham Thi Kim Phuc está casada, com dois filhos e reside no Canadá onde preside a "Fundação Kim Phuc", dedicada a ajudar as crianças vítimas da guerra e embaixadora da UNESCO.
"O coronel assassinou o preso; mas e eu... assassinei o coronel com minha câmera?" - Palavras de Eddie Adams, fotógrafo de guerra, autor desta foto que mostra o assassinato, em um de fevereiro de 1968, por parte do chefe de polícia de Saigon, a sangue frio, de um guerrilheiro do Vietcong. Adams, correspondente em 13 guerras, obteve por esta fotografia um prêmio Pulitzer; mas ficou tão emocionalmente tocado com ela que se converteu em fotógrafo paisagístico.
Sharbat Gula foi fotografada quando tinha 12 anos pelo fotógrafo Steve McCurry, em junho de 1984. Foi no acampamento de refugiados Nasir Bagh do Paquistão durante a guerra contra a invasão soviética. Sua foto foi publicada na capa da National Geographic em junho de 1985 e, devido a seu expressivo rosto de olhos verdes, a capa converteu-se numa das mais famosas da revista e do mundo. No entanto, naquele tempo ninguém sabia o nome da garota. O mesmo homem que a fotografou realizou uma busca jovem que durou exatos 17 anos. Em janeiro de 2002, encontrou a menina, já uma mulher de 30 anos e pôde saber seu nome. Sharbat Gula vive numa aldeia remota do Afeganistão, uma mulher tradicional, casada e mãe de três filhos. Ela regressou ao Afeganistão em 1992.
Esta bela foto, que data de 1950, considerada como a mais vendida da história. Isto devido intrigante história com a que foi descrita durante muitos anos: segundo contava-se, esta foto foi tirada fortuitamente por Robert Doisneau enquanto encontrava-se sentado tomando um café. O fotógrafo acionava regularmente sua câmara entre as pessoas que passavam e captou esta imagem de amantes beijando-se com paixão enquanto caminhavam no meio da multidão. Esta foi a história que se conheceu durante muitos anos até 1992, quando dois impostores se fizessem passar pelo casal protagonista desta foto. No entanto o Sr. Doisneau indignado pela falsa declaração, revelaria a história original declarando assim aquela lenda: a fotografia não tinha sido tirada a esmo, senão que se tratava de dois transeuntes que pediu que posassem para sua lente, lhes enviando uma. cópia da foto com agradecimento. 55 anos depois Françoise Bornet (a mulher do beijo) reclamou os direitos de imagem das cópias desta foto e recebeu 200 mil dólares.
O beijo de despedida a Guerra foi feita por Victor Jorgensen em Times Square em 14 de Agosto de 1945, onde um soldado da marinha norte-americana beija apaixonadamente uma enfermeira. O que fora do comum para aquela época que os dois personagens não eram um casal, eram perfeitos estranhos que haviam acabado de encontrar-se. A fotografia considerada uma analogia da excitação e paixão que significa regressar a casa depois de passar uma longa temporada fora, com também a alegria experimentada ao término de uma guerra.
Também conhecido com o Rebelde Desconhecido, esta foi a alcunha que foi atribuído a um jovem anônimo que se tornou internacionalmente famoso ao ser gravado e fotografado em pé em frente a uma linha de vários tanques durante a revolta da Praça de Tiananmen de 1989 na República Popular Chinesa. A foto foi tirada por Jeff Widener, e na mesma noite foi capa de centenas de jornais, noticiários e revistas de todo mundo. O jovem estudante (certamente morto horas depois) interpôs-se a duas linhas de tanques que tentavam avançar. No ocidente as imagens do rebelde foram apresentadas foto como um símbolo do movimento democrático Chinês: um jovem arriscando a vida para opor-se a um esquadrão militar. Na China, a imagem foi usada pelo governo como símbolo do cuidado dos soldados do Exército Popular de Libertação para proteger o povo chinês: apesar das ordens de avançar, o condutor do tanque recusou fazê-lo se isso implicava causar algum dano a um cidadão...
Thich Quang Duc, nascido em 1897, foi um monge budista vietnamita que se sacrificou até a morte numa rua movimentada de Saigon em 11 de junho de 1963. Seu ato foi repetido por outros monges. Enquanto seu corpo ardia sob as chamas, o monge manteve-se completamente imóvel. Não gritou, nem sequer fez um pequeno ruído. Thich Quang Duc protestava contra a maneira que a sociedade oprimia a religião Budista em seu país. Após sua morte, seu corpo foi cremado conforme tradição budista. Durante a cremação seu coração manteve-se intacto, pelo que foi considerado como quase santo e seu coração foi transladado aos cuidados do Banco de Reserva do Vietnã como relíquia.
Em 1994, o fotógrafo Kevin Carter ganhou o prêmio Pulitzer de foto jornalismo com uma fotografia tomada na região de Ayod (uma pequena aldeia em Suam), que percorreu o mundo inteiro. A figura esquelética de uma pequena menina, totalmente desnutrida, recostando-se sobre a terra, esgotada pela fome, e a ponto de morrer, enquanto num segundo plano, a figura negra de um abutre se encontra espreitando e esperando o momento preciso da morte da garota. Quatro meses depois, abrumado pela culpa e conduzido por uma forte dependência às drogas, Kevin Carter suicidou-se.
The Falling Man o título de uma fotografia tirada por Richard Drew durante os atentados do 11 de setembro de 2001 contra as torres gêmeas do WTC. Na imagem pode-se ver um homem atirando-se de uma das torres. A publicação do documento pouco depois dos atentados irritou a certos setores da opinião pública norte-americana. Ato seguido, a maioria dos meios de comunicação se auto-censurou, preferindo mostrar unicamente fotografias de atos de heroísmo e sacrifício.
Esta fotografia do triunfo dos aliados na segunda guerra, onde um soldado Russo agita a bandeira soviética no alto de um prédio, demorou a ser publicada, pois as autoridades Russas quiseram modificá-la. A bandeira era na verdade uma toalha de mesa vermelha e o soldado aparecia com dois relógios no pulso, possivelmente produto de saque. Sendo assim foi modificada para que não ficasse feio para os soviéticos.
Uma mãe cruza o rio com os filhos durante a guerra do Vietnã em 1965 fugindo da chuva de bombas americanas.
Soldados e aldeãos cavam sepulturas para as vítimas de um grande terremoto acontecido em 2002 no Irã enquanto um menino segura as calças do pai antes de ele ser enterrado.
Ganhadora do Prêmio Pulitzer em 1994 e publicada pelo The New York Times, a foto foi tirada em 1993 no Sudão, pelo fotógrafo sul-africano Kevin Carter(1960-1994). Esta descreve uma criança faminta sem forças para continuar rastejando para um campo de alimento da ONU, a um quilômetro dali. O urubu espera a morte desta para então poder devorá-la.
Carter disse que esperou em torno de vinte minutos para que o urubu fosse embora, mas isto não aconteceu. Então rapidamente tirou a foto e fez o urubu fugir dali, açoitando-o. Em seguida, saiu dali o mais rápido possível.
O fotógrafo criticou duramente sua postura por apenas fotografar, mas não ajudar, a pequena garota: “Um homem ajustando suas lentes para tirar o melhor enquadramento de sofrimento dela talvez também seja um predador, outro urubu na cena.”, teria dito.
Um ano depois o fotógrafo, em profunda depressão, suicidou-se.
O paradeiro da criança é desconhecido.
Na adolescência, abandonei o catolicismo e fui rebatizado na Igreja Presbiteriana de Fortaleza. Desde então, migrei por várias tendências do protestantismo, que no Brasil assumiu-se como Movimento Evangélico. Fui membro da Convenção Geral das Assembléias de Deus (CGADB). Cooperei com a Associação Evangélica Brasileira (AEVB). Já falei em incontáveis congressos e conferências. Meu código genético religioso, portanto, é bem definido pelo Movimento Evangélico.
Pastoreio uma igreja com diversas comunidades locais espalhadas pelo Brasil. Caminho ao lado de parceiros e parceiras que levam a sério a vocação ministerial.
Reconheço, porém, que vez por outra peso nas tintas ao criticar o Movimento Evangélico. Não o faço como um observador frio e distante. Eu não me condenei ao ostracismo espiritual. Nunca quis tornar-me profeta auto-referenciado, sem interlocutores. Lido com gente; falo para mais de 3 mil pessoas todos os domingos. E, por mais que tente evitar, sempre que escrevo deixo as minhas impressões digitais religiosas.
Ao criticar, entendo que necessito ser cuidadoso. Não posso portar-me como o fariseu que corava de raiva quando se quebrava o til ou a vírgula da lei, mas era insensível para o abuso de princípios éticos que carcomiam a sua própria alma.
Ao criticar o Movimento Evangélico, não posso passar ao largo da iniquidade que condena milhões de brasileiros a viverem abaixo da linha da miséria. Escolado em ambientes puritanos sei como é possível ver-se sugado para o debate moralista. Eu não teria dificuldade de discursar sobre rigor sexual e arrancar bons aplausos dos que veem promiscuidade até nos desenhos animados que divertem crianças nas manhãs de sábado.
Não é difícil agradar os auditórios religiosos. Basta uma pitada de perspicácia: diante de um auditório burguês é suficiente repetir algumas doutrinas ortodoxas e todos se sentem felizes.
Insisto em escrever e falar porque o imperativo cristão não me larga. Não consigo calar diante de temas fundamentais como: justiça, solidariedade, tolerância, honestidade. O Evangelho me constrange. Sinto-me convocado a engajar-me na defesa do indefeso, na inclusão do excluído e na busca de justiça para o injustiçado. Diante desse categórico, nascem perguntas que não posso fugir: Qual a força do sistema de alienar-me? Para que lado ir na encruzilhada da Avenida Conforto com a Rua Responsabilidade?
Acomodação ética não é desvio, mas deformação. Está deformada qualquer instituição, religiosa, política ou educacional, que seja ágil para denunciar o menos importante e lenta para detectar o essencial.
Uma geração periga quando diminuem os profetas (nestes tempos, não se conhece sequer a função de um profeta – secular ou religioso). A camisa de força da mesmice vem sufocando a criatividade. O patrulhamento do conservadorismo conspira contra a liberdade de pensar. Faltam profetas.
Carecemos de homens e mulheres que não tenham medo de denunciar com o dedo em riste: Esta geração está inebriada pela doutrina do sucesso e vai se afogar na ganância e na complacência.
Minha crítica ao Movimento Evangélico começou há alguns anos, quando vi líderes indignados com questões periféricas, mas silentes diante de atrocidades. Raras vozes se levantaram contra evangélicos norte-americanos que abençoaram uma guerra absurda. O Iraque foi invadido e destruído devido a uma mentira (Onde estavam as armas de destruição em massa?). Faz-se silêncio sobre a morte de centenas de milhares.
Noto o constrangimento de alguns conservadores que não gostam de serem considerados do mesmo naipe que Benny Hinn, Kenneth Hagin, Edir Macedo ou Valdemiro Santiago. Mas eles se sentem orgulhosos de confessar a mesma doutrina que Franklin Graham, Pat Robertson, John McArthur, Chuck Colson e Max Lucado. Talvez considerem esses senhores dignos porque repetem a "doutrina verdadeira" e são de um país riquíssimo.
Por mais que seja difícil sentar ao lado de neopentecostais ávidos por lucro, acredito ser exponencialmente pior participar da roda de quem, sob o manto do conservadorismo teológico, sustenta a agenda de direita belicosa dos Estados Unidos. George W. Bush se aposentou mas a sua cartilha ainda continua a valer entre os evangélicos: lutar contra o aborto e contra os homossexuais, mas defender a pena de morte e apoiar a National Rifle Association.
Mas adesismo não destoa dentro do Movimento Evangélico. Quando os militares dominaram a política brasileira, havia um acordo tácito entre pastores e ditadores. Os ditadores deixavam os pastores pregarem e conduzirem campanhas evangelísticas e os pastores faziam vista grossa para a tortura.
Não é possível varrer para debaixo do tapete da piedade que o Movimento Evangélico brasileiro se esmera no irrelevante. Igrejas se multiplicam nas redondezas urbanas, mas não têm agenda contra preconceito racial ou de gênero. Impressionam as estatísticas sobre os avanços dos evangélicos; resta perguntar se alteram a sorte de milhões de crianças que vivem em ruas fétidas e estudam em escolas sucateadas.
Lamentavelmente, enquanto os evangélicos se reúnem em conferências para discutir e defender sua identidade, o Brasil permanece na lista dos mais injustos do planeta.
Mesmo decepcionado e muitas vezes desestimulado, continuo escrevendo, pregando e trabalhando. Sei que uma nova geração se levanta; acredito que milhões de rapazes e moças desejam ser leais ao Evangelho e anseiam por novos ventos.
Também não jogo a toalha porque acredito que se nos calarmos as pedras clamarão.
Soli Deo Gloria
Dois pastores paulistas se fantasiam de Fred e Barney. Isso mesmo, fantasiados de Flintstone, entre gracejos ridículos, acreditam que estão sendo "usados por Deus para salvar almas". Na rádio, um apóstolo ordena que tragam todos os defuntos daquele dia, pois ele sente que Deus o "ungiu para ressuscitar mortos".
Os jornais denunciam dois políticos de Minas Gerais, "eleitos por suas denominações para representar os interesses dos crentes", como suspeitos de assassinato. O rosário se alonga: oração para abençoar dinheiro de corrupção; prisão nos Estados Unidos por contrabando de dinheiro, flagrante de missionários por tráfico de armas; conivência de pastores cariocas com chefões da cocaína .
Fica claro para qualquer leigo: O movimento Evangélico brasileiro se esboroa. O processo de falência, agudo, causa vexame. Alguns já nem identificam os evangélicos como protestantes. As pilastras que alicerçaram o protestantismo vêm sendo sistematicamente abaladas pelo segmento conhecido como neopentecostal. Como um trator de esteiras, o neopentecostalismo cresce passa por cima da história, descarta tradições e liturgias e se reinventa dentro das lógicas do mercado. É um novo fenômeno religioso.
É possível, sim, separá-lo como uma nova tendência. Sobram razões para afirmar-se que o neopentecostalismo deixou de ser protestante ou até mesmo evangélico.É uma nova religião. Uma religião simplória na resposta aos problemas nacionais, supersticiosa na prática espiritual, obscurantista na concepção de mundo, imediatista nas promessas irreais e guetoizada em seu diálogo cultural.
Mas a influência do neopentecostalismo já transbordou para o "mainstream" prostestante. O neopentecostalismo fermentou as igrejas consideradas históricas. Elas também se vêem obrigadas a explicar quase dominicalmente se aderiram ou não aos conceito mágicos das preces. Recentemente, uma igreja batista tradicional promoveu uma "Maratona de Oração pela Salvação de Filhos Desviados".
Pentecostais clássicos, como a Assembléia de Deus, estão tão saturados pela teologia neopentecostal que pastores, inadvertidamente, repetem jargões e prometem que a vida de um verdadeiro crente fica protegida dentro de engrenagens de causa-e-efeito. Os "ungidos" afirmam que sabem fazer "fluir as bênçãos de Deus". É comum ouvir de pregadores pentecostais que vão ensinar a "oração que move o braço de Deus”.
O Movimento Evangélico implode. Sua implosão é visceral. Distanciou-se de dois alicerces cristãos básicos, graça e fé. Ao afastar-se destes dois alicerces fundamentais do cristianismo, permitiu que se abrisse essa fenda histórica com a tradição apostólica.
1. A teologia da Graça
Desde a Reforma, protestantes e católicos passaram a trabalhar a Graça como pedra de arranque de um novo cristianismo. O texto bíblico, “o justo viverá da fé”, acendeu o rastilho de pólvora que alterou a cosmovisão herdada da Idade Média. A Graça impulsionou o cristianismo para tempos mais leves. Foi a Graça que acabou com a lógica retributiva que mostrava Deus como um bedel a exigir penitência. Devido a Graça entendeu-se que a sua ira não precisa ser contida. O cristianismo medieval fora infectado por um paganismo pessimista e, por isso, sobravam espertalhões vendendo relíquias e objetos milagrosos que, segundo a pregação, “ garantiam salvação e abriam as janelas da bênção celestial”.
Lutero, um monge agostiniano, portanto católico, percebeu que o amor de Deus não podia ser provocado por rito, prece, pagamento ou penitência. Graça, para Lutero, significava a iniciativa de Deus, constante, unilateral e gratuita, de permanecer simpático com a humanidade. Lutero intuiu que Deus não permanecia de braços cruzados, cenho franzido, à espera de que homens e mulheres o motivassem a amar. O monge escancarou: as indulgências eram um embuste. Assim, Lutero solapava o poder da igreja que se autoproclamava gerente dos favores divinos.
Passados tantos séculos, o movimento neopentecostal, responsável pelas maiores fatias de crescimento entre evangélicos, abandonou a pregação da Graça. (É preciso ressaltar, de passagem, que o conceito da Graça pode até constar em compêndios teológicos, mas não significa quase nada no dia-a-dia dos sujeitos religiosos).
Os neopentecostais retrocederam ao catolicismo medieval. É pre-moderna a religiosidade que estimula valer-se de amuletos “como ponto de contato para a fé”; fazerem-se votos financeiros para “abrir as portras do céu”; “pagar o preço” para alcançar as promessas de Deus. Desse modo, a magia espiritual da Idade Média se disfarçou de piedade. A prática da maioria dos crentes hoje se concentra em aprender a controlar o mundo sobrenatural. Qual o objetivo? Alcançar prosperidade ou resolver problemas existenciais.
2. A compreensão da Fé
“A Piedade Pervertida” (Grapho Editores) de Ricardo Quadros Gouvêa é um trabalho primoroso que explica a influência do fundamentalismo entre evangélicos.
“O louvorzão, assim como as vigílias e as reuniões de oração, e até mesmo o mais simples culto de domingo, muitas vezes não passam de um tipo de superstição que beira a feitiçaria, uma vez que ele é realizado com o intuito de ‘forçar’ uma ação benévola da parte de Deus, como se o culto e o louvor fossem um ‘sacrifício’, como os antigos sacrifícios pagãos. Neste caso, não temos mais liturgias, mas sim teurgias, nas quais procura-se manipular o poder de Deus” (p.28).
Ora, enquanto fé permanecer como uma “alavanca que move os céus”, as liturgias continuarão centradas na capacidade de tornar a oração mais eficaz. Antes dos neopentecostais, o Movimento Evangélico já se distanciara dos Místicos históricos que praticavam a oração com um exercício de contemplação e não como ferramenta de como tornar Deus mais útil.
Fé não é uma força que se projeta na direção do Eterno. Fé não desata os nós que impedem bênçãos. Fé é coragem de enfrentar a vida sem qualquer favor especial. Fé é confiança de que os valores de Cristo são suficientes no enfrentamento das contingências existenciais. Fé aposta no seguimento de Cristo; seguir a Cristo é um projeto de vida fascinante.
O neopentecostalismo ganhou visibilidade midiática, alastrou-se nas camadas populares e se tornou um movimento de massa. Por mais que os evangélicos conservadores não admitam, o neopentecostalismo passou a ser matriz de uma nova maneira de conceber as relações com o Divino.
A alternativa para o rolo compressor do neopentecostalismo só acontecerá quando houver coragem de romper com dogmatismos e com os anseios de resolver os problemas da vida pela magia.
O caminho parece longo, mas uma tênue luz já desponta no horizonte, e isso é animador.
Soli Deo Gloria
Martyn Lloyd-Jones (1899-1981)
Lloyd-Jones foi um fenômeno no movimento evangélico inglês do século XX. Enquanto estudava medicina em Londres, Martyn Lloyd-Jones esteve sob a orientação do famoso Sir Thomas Horder, o médico da corte real britânica. Horder tinha uma abordagem peculiar de diagnóstico, baseada no método socrático: reunir os fatos e raciocinar sobre eles até alcançar uma conclusão. Lloyd-Jones utilizou essa abordagem como o alicerce de sua pregação e trabalho pastoral, ao tratar dos males espirituais das pessoas. Assim, propôs o desafio de que se pensasse a fé evangélica e suas implicações para a Igreja e o mundo.
Sendo designado em 1922 assistente de Horder, o Dr. Jones logo percebeu que estava mais interessado nas necessidades espirituais das pessoas do que nas doenças físicas. Com 27 anos, sem nenhum preparo teológico, tornou-se pastor. Sua marca: ganhar as pessoas para Cristo através da pregação do Evangelho – sem tentar atraí-los com atividades sociais, mas refletindo com os ouvintes acerca da razoabilidade da fé cristã.
Lloyd-Jones enfatizava a importância do poder do Espírito Santo: “Se não há poder, não é pregação. A verdadeira pregação, no fim das contas, é Deus atuando. Não se trata de um homem meramente articulando palavras, mas Deus usando-o.” Ele mesmo, como pregador, possuía eloqüência, força e paixão, ao passo que negava o rótulo de “apresentador”. Mesmo sendo um avivalista, Lloyd-Jones nunca aceitou extremismos quanto à atuação do Espírito Santo, e nunca chegou a adotar uma posição carismática quanto aos dons espirituais.
O pregador doutor nunca concordou com o método evangelístico de empreender grandes cruzadas para milhares de pessoas. Seus motivos: desconfiava dos resultados a longo prazo e rejeitava a abordagem “técnica” do evangelista. Na verdade, o próprio Lloyd-Jones nunca fazia o apelo para que os ouvintes se convertessem, mas esperava que, após o sermão, fosse procurado pelos que enfrentavam problemas em sua vida espiritual.
Uma das suas contribuições para o movimento evangélico atual foi sua crítica ao secularismo/mundanismo, isto é, a tendência da Igreja de tornar-se semelhante ao mundo. Assim como os israelitas (que deveriam ser luz para os gentios) precisavam ser diferentes dos gentios em sua maneira de vestir, enfeitar-se, comer, praticar sua religião e outros aspectos culturais, a Igreja não deve vestir o manto do mundanismo nem mesmo a pretexto de atrair novos crentes: “Nosso Senhor atraía os pecadores porque Ele era diferente. Aproximavam-se dEle porque sentiam haver nEle algo diferente… E o mundo sempre espera que sejamos diferentes. Essa idéia de que poderemos ganhar pessoas para a fé cristã, se lhes mostrarmos que, afinal de contas, somos notavelmente parecidos com elas é um erro profundo, do ponto de vista teológico e psicológico”.
Dedicou grande parte do final dos seus dias à publicação de livros e a visitar pequenas igrejas, encorajando-as. A maioria dos seus títulos traduzidos para o português foram publicados pela editora PES (Publicações Evangélicas Selecionadas).
George Whitefield
A partir de 1737, com apenas 23 anos, George Whitefield (1714-1770) assustou a Inglaterra com uma série de sermões que transformaram a sociedade britânica. Atacado pelo clero, pela imprensa e até por uma multidão de insatisfeitos, Whitefield se tomou o pregador mais popular naquela época. Entretanto, antes disso, ele passou por situações muito semelhantes as que experimentam alguns missionários nos dias atuais. Repetidas vezes, ele teve de pregar fora dos portões do templo pelo simples fato de sua pregação apaixonada ser muito distante da usual formalidade dos pastores daquele tempo. Ele chegou a ser agredido em algumas ocasiões. Na cidade de Basingstoke, por exemplo, foi espancado a pauladas. Em Moorfield, destruíram a mesa que lhe servia de púlpito. Em Exeter, durante uma pregação para dez mil pessoas, Whitefield foi apedrejado.
Nada, porém, podia conter aquela mensagem. A influência de Whitefield cresceu de tal forma que ele era capaz de manter atentas 20 mil pessoas, encantadas com seus sermões, por mais de duas horas. Durante 34 anos, a voz de George Whitefield ressoou na Inglaterra e América do Norte. Whitefield era um calvinista firme, de origem metodista. Era um evangelista agressivo que cruzou o Oceano Atlântico 13 vezes a fim de proclamar a salvação também na América. Ele se tornou o pregador favorito dos mineiros de carvão e dos valentões de Londres porque ia até eles em vez de esperá-los dentro das igrejas.
Histórico familiar – Whitefield, um pregador fascinante, contrariou todas as teorias “deterministas”. Nasceu em uma taberna em que eram servidas bebidas alcoólicas e morreu pregando a Palavra de Deus como um dos mais sérios servos de Deus de toda a História. Seu pai faleceu quando ele ainda era um bebê. Sua mãe se casou novamente, mas a nova união não melhorou as coisas para o pequeno George, que continuava a limpar os quartos, lavar roupas e servir bebidas aos hóspedes da pensão de sua mãe.O fato é que, desde cedo, ele demonstrou talento para a oratória. Alguns anos mais tarde, quando estudava no Pembroke College, em Oxford, Whitefield reunia com freqüência pequenos grupos de colegas em seus aposentos com o propósito de orar e estudar a Bíblia. Conta-se que não eram raras as ocasiões em que os presentes recebiam o batismo com o Espírito Santo.
Os biógrafos asseveram que ele dividia seu tempo livre de tal forma a ficar, aproximadamente, oito horas por dia em devoção a Deus. Na época, ainda jovem, trabalhava como garçom em bares noturnos como meio de sobrevivência. Naquele exato período de sua vida, o futuro pregador conheceu John Wesley e foi, então, que começaram a jejuar e a estudar a Bíblia. Whitefiel compilou alguns dos conceitos mais famosos de Wesley, dentre eles: A verdadeira religião é a união da alma com Deus e a formação de Cristo em nós.
Os membros de sua igreja não ficaram indiferentes aquele talento e, embora fosse norma não consagrar ao pastorado alguém com menos de 23 anos, Whitefield tornou-se ministro do Evangelho aos 21 anos, por insistência daquela igreja. Mesmo antes de cumprir sua determinação pessoal, de escrever cem sermões para, mais tarde, apresentá-los à igreja e pleitear sua ordenação, Whitefied aceitou o desafio.
“Desejo, todas as vezes que subir ao púlpito, considerar essa oportunidade como a última que me é dada de pregar; e a última dada ao povo para ouvir a Palavra de Deus. “
Essa paixão irresistível pela pregação da Palavra é a melhor explicação para alguns fenômenos, ou melhor, milagres espirituais que acompanhariam a carreira ministerial de Whitefield. Em 1750, por exemplo, ele conseguiu reunir dez mil pessoas, diariamente, nas ruas de Londres durante 28 dias, em um evento que, hoje, chamaríamos de cruzadas evangelísticas. Entretanto, a diferença é que ele pregava em uma época em que não havia microfones ou quaisquer outros recursos tecnológicos para ampliar o volume de sua voz. Jornais daquela época registraram que Whitefield podia ser ouvido por mais de 1 km, apesar de seu corpo franzino e de sua voz fraca, por causa dos problemas de saúde. Isso era um milagre de Deus com certeza.
Em outra ocasião, pregando a alguns marinheiros, Whitefield descreveu um navio no olho de um floração. O sermão foi apresentado de maneira tão real, que, no momento em que o pregador descrevia o barco afundando, foi interrompido pelo grito dos marinheiros apavorados com o que consideraram a própria visão do inferno.
Whitefleld, ao contrário do que muitos imaginavam, era um evangelista-missionário. Jamais quis abrir igrejas para levar seus milhares de convertidos. Pelo contrário: ele os orientava a procurarem igrejas locais. Isso porque, dizem seus biógrafos, sua missão evangelística tomava-o de tal forma que não havia nele qualquer interesse na abertura de templos ou em ter conforto. Nas 13 vezes em que realizou cruzadas evangelísticas nos Estados Unidos, Whitefield viajou, a princípio, para colaborar com o orfanato que abrira no estado da Geórgia. Ele adorava pregar para os órfãos e, para muitos deles, Whitefield era a única referência paterna.
Aos 65 anos de idade, já muito doente, Whitefleld ministrou durante duas horas para uma multidão que o esperava em Exeter, Inglaterra. Na mesma noite, partiu para a cidade de Newburysport, a fim de hospedar-se na casa do pastor local. Durante a madrugada, falou ainda com alguns colegas por cerca de 30 minutos e subiu as escadas para o seu dormitório. Lá, morreu, pregando a Palavra de salvação até o último minuto de vida ao seu companheiro de quarto.
Fonte: Revista Graça, ano 2 n.º 21 – Abril/2001
João Calvino
Síntese biográfica
Por: Rev. Alderi Souza de Matos
João Calvino nasceu em Noyon, nordeste da França, no dia 10 de julho de 1509. Seu pai, Gérard Calvin, era advogado dos religiosos e secretário do bispo local. Aos 12 anos, Calvino recebeu um benefício eclesiástico cuja renda serviu-lhe de bolsa de estudos.
• Em 1523, foi residir em Paris, onde estudou latim e humanidades (Collège de la Marche) e teologia (Collège de Montaigu). Em 1528, iniciou seus estudos jurídicos, primeiro em Orléans e depois em Bourges, onde também estudou grego com o erudito luterano Melchior Wolmar. Com a morte do pai em 1531, retornou a Paris e dedicou-se ao seu interesse predileto – a literatura clássica. No ano seguinte publicou um comentário sobre o tratado de Sêneca De Clementia.
• Calvino converteu-se à fé evangélica por volta de 1533, provavelmente sob a influência do seu primo Robert Olivétan. No final daquele ano, teve de fugir de Paris sob acusação de ser o co-autor de um discurso simpático aos protestantes, proferido por Nicholas Cop, o reitor da universidade. No ano seguinte, voltou a Noyon e renunciou ao benefício eclesiástico. Escreveu o prefácio do Novo Testamento traduzido para o francês por Olivétan (1535).
• Em 1536 veio a lume primeira edição da sua grande obra, As Institutas ou Tratado da Religião Cristã, introduzidas por uma carta ao rei Francisco I da França contendo um apelo em favor dos evangélicos perseguidos. Alguns meses mais tarde, o reformador suíço Guilherme Farel o convenceu a ajudá-lo na cidade de Genebra, que acabara de abraçar a Reforma. Logo, os dois líderes entraram em conflito com as autoridades civis sobre questões eclesiásticas, sendo expulsos em 1538.
• Calvino foi para Estrasburgo, onde residia o reformador Martin Bucer. Atuou como pastor, professor, participante de conferências e escritor. Produziu uma nova edição das Institutas (1539), o Comentário da Epístola aos Romanos, a Resposta a Sadoleto (uma apologia da fé reformada) e outras obras. Casou-se com a viúva Idelette de Bure (falecida em 1549).
• Em 1541, Calvino retornou a Genebra por insistência dos governantes da cidade. Assumiu o pastorado da igreja reformada e escreveu para a mesma as célebres Ordenanças Eclesiásticas. Por catorze anos, enfrentou grandes lutas com as autoridades civis e algumas famílias influentes (os “libertinos”). Apesar de estar constantemente enfermo, desenvolveu intensa atividade como pastor, pregador, administrador, professor e escritor. Produziu comentários sobre quase toda a Bíblia.
• Em 1555, os partidários de Calvino finalmente derrotaram os “libertinos.” Os conselhos municipais passaram a ser constituídos de homens que o apoiavam. A Academia de Genebra, embrião da futura universidade, foi inaugurada em 1559. Nesse mesmo ano, Calvino publicou a última edição das Institutas. O reformador faleceu aos 55 anos em 27 de maio de 1564.
Um dos teólogos protestantes mais influentes do século XX; conhecido por formular a teologia dialética, que ressalta o sentido existencial do cristianismo, reintegrando-o à sua base bíblica através da da doutrina da revelação e da fé.
1886 – Nasceu em Basiléia, na Suiça, em 10 de maio; cursou universidade em Berna, Berlim e Tübingen, terminando seus estudos em Marburg; trabalho no jornal “ Die Christliche Welt”; foi pastor reformado em Genebra e Safenwill; lecionou teologia em Göttingen, Munique e Bonn.
1935 – foi demitido do cargo de professor pelos nazistas; teve seus diplomas cassados pela declaração teológica do Sinodo de Barmem, onde criticou a nazificação da Igreja Reformada.
Na Suiça, ingressou no PSD, organizando a resistência dos pastores (movimento que foi aniquilado); envolveu-se em outras questões internacionais (operários em Viena e republicanos espanhóis).
1945 – Com o fim da guerra voltou à cátedra de Bonn, depois à Basiléia (onde se aposentou em 1961).
Sua doutrina é conhecida como Teologia Dialética ou Teologia da Crise; define-se como um vigoroso protesto contra o “neoprotestantismo” que era predominante desde o século XIX; reafirmou os princípios da Reforma, principalmente na obra “Der Römerbrief” (1919), lançando as bases do existencialismo alemão (elo entre Kierkegaard e Heidegger); combateu a teologia liberal, o iluminismo alemão e o moralismo (que excluía o encontro entre revelação e fé).
Em 1969, foi publicada sua monumental obra (26 volumes, iniciada em 1932): “Die Christliche Dogmatik”; os polos fundamentais de seu pensamento (revelação e fé) permeiam toda a sua dogmática, onde faz um exame crítico do conteúdo da mensagem que a igreja pronuncia sobre Deus; a fé cristã supera todas as outras religiões, pois afirma que Deus tomou a iniciativa em aproximar-se do homem, por intermédio de Jesus Cristo, através da sua graça e de sua palavra; esta mensagem transcende a própria Bíblia e cruza o abismo dialético que separa o homem do criador.
1968 – morreu em sua cidade natal, em 11 de dezembro.