quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Biografia de Fiódor Dostoiévski


Fiódor Dostoiévski

11/11/1821, Moscou, Rússia
09/02/1881, São Petersburgo, Rússia.


Fiodor Mikhailovich Dostoievski foi uma das maiores personalidades da literatura russa, tido como fundador do Realismo.


Sua mãe morreu quando ele era ainda muito jovem e seu pai, o médico Mikhail Dostoievski, foi assassinato pelos próprios colonos de sua propriedade rural em Daravoi, que o julgavam autoritário. Esse fato exerceu enorme influência sobre o futuro do jovem Dostoiévski e motivou o polêmico artigo de Freud: "Dostoiévski e o Parricídio".

Em São Petersburgo, Dostoiévski estudou engenharia numa escola militar e se entregou à leitura dos grandes escritores de sua época. Epilético, teve sua primeira crise depois de saber que seu pai fora assassinado. Sua primeira produção literária, aos 23 anos, foi uma tradução de Balzac ("Eugénie Grandet"). No ano seguinte escreveu seu primeiro romance, "Pobre Gente", que foi bem recebido pelo público e pela crítica.

Em 1849 foi preso por participar de reuniões subversivas na casa de um revolucionário, e condenado à morte. No último momento, teve a pena comutada por Nicolau 1o e passou nove anos na Sibéria, quatro no presídio de Omsk e mais cinco como soldado raso. Descreveu a terrível experiência no livro "Recordações da Casa dos Mortos" e em "Memórias do Subsolo".

Suas crises sistemáticas de epilepsia, que ele atribuía a "uma experiência com Deus", tiveram papel importante em suas crenças. Inspirado pelo cristianismo evangélico, passou a pregar a solidariedade como principal valor da cultura eslava. Em 1857 casou-se com Maria Dmitrievna Issaiev, uma viúva difícil e caprichosa. Dois anos depois retornou a Petersburgo. Em 1862 conheceu Polina Suslova, que viria a ser o seu romance mais profundo. Em 1864, viúvo de Maria, terminou seu caso com Polina e em 1867 casou-se com Anna Snitkina.

Entre suas obras destacam-se: "Crime e Castigo", "O Idiota", "O Jogador", "Os Demônios", "O Eterno Marido" e "Os Irmãos Karamazov".

Publicou também contos e novelas. Criou duas revistas literárias e ainda colaborou nos principais órgãos da imprensa russa.

Seu reconhecimento definitivo como escritor universal surgiu somente depois dos anos 1860, com a publicação dos grandes romances: "O Idiota" e "Crime e Castigo". Seu último romance, "Os Irmãos Karamazov", é considerado por Freud como o maior romance já escrito.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

FRIDA VINGREN


Biografia de Frida Vingren

Por Silas Daniel

Nascida em junho de 1891, no norte da Suécia, Frida Strandberg era de uma família de crentes luteranos. Formou-se em Enfermagem chegando a ser chefe da enfermaria do hospital onde trabalhava.

Tornou-se membro da Igreja Filadélfia de Estocolmo, onde foi batizada nas águas pelo pastor Lewi Pethrus, em 24 de janeiro de 1917. Pouco depois recebeu o batismo no Espírito Santo e o dom de profecia.

O chamado para a obra missionária sempre a impulsionou. Nessa época, surgiu na Suécia um movimento por missões, onde muitos jovens estavam imbuídos do desejo de ganhar almas para Cristo. Após comunicar ao pastor Pethrus que o Senhor a chamara para o campo missionário brasileiro, Frida ingressou em um Instituto Bíblico na cidade de Götabro, província de Närkre. O curso era freqüentado por pessoas que já tinham o chamado para missões e por aqueles que tinham apenas vocação missionária. Frida veio para o Brasil no ano de 1917, enviada pela igreja sueca e obedecendo ao chamado de Deus.

Em uma das visitas de Gunnar Vingren à Suécia devido ao seu debilitado estado de saúde, ele conheceu Frida, com quem travou forte amizade. Frida casou-se com o pastor Gunnar Vingren (fundador das Assembléias de Deus no Brasil) em 16 de outubro de 1917 em Belém do Pará, numa cerimônia presidida pelo missionário Samuel Nyström. O casal teve seis filhos: Ivar, Rubem, Margit, Astrid, Bertil e Gunvor.

Em março de 1920, irmã Frida foi acometida de malária, sofrendo com terríveis ataques de febre. Durante dois meses e meio, a luta pela vida foi tamanha, a ponto do marido pedir que Deus a curasse ou a levasse para si. Nesse período, a igreja em Belém se colocou em oração e jejum, esperando de Deus um milagre, que ocorreu em 3 de junho de 1920. Depois de seu restabelecimento, ela enfrentou o problema de saúde do marido. A partir do final daquele ano, Gunnar Vingren começou a sofrer de esgotamento físico, em conseqüência da dedicação exclusiva ao trabalho do Senhor, e pelas vezes que também contraiu malária. Por esse motivo, o casal decidiu passar um período na Suécia. O retorno ao Pará ocorreu em fevereiro de 1923.

Depois de muitos anos no Pará, a família Vingren, nessa época com quatro filhos, decidiu ir para o Rio de Janeiro. A mesma vontade de ganhar almas para Cristo continuou e o casal alugou uma casa no bairro de São Cristóvão, na Zona Norte da cidade, onde inaugurou o primeiro salão de cultos da AD no Estado. Irmã Frida continuou desenvolvendo atividades evangelísticas e abrindo frentes de trabalho em muitos lugares. A obra social da igreja, bem como grupos de oração e de visitas, ficou sob a responsabilidade da missionária. O dom de ensinar podia ser visto nas classes de Escola Dominical.

Na abertura dos cultos, fazia a leitura bíblica inicial e, quando o marido se ausentava em visita ao campo, era irmã Frida quem o substituía pregando e dirigindo os trabalhos. Ela gostava de ministrar estudos bíblicos.

O desprendimento da missionária e sua forte atuação na obra de Deus, muitas vezes foi motivo de crítica por parte de alguns. Mas, mesmo assim, ela nunca se limitou a desempenhar a função que o Senhor havia colocado em seu coração. Foi dirigente oficial dos cultos realizados aos domingos na Casa de Detenção no Rio e, pela facilidade que tinha para se expressar, pregava em todos os pontos de pregação da AD no Rio de Janeiro, em praças e jardins. Os cultos ao ar-livre promovidos no Largo da Lapa, na Praça da Bandeira, na Praça Onze e na Estação Central eram dirigidos pela irmã Frida.

Pela facilidade que tinha com a palavra escrita, Frida destacou-se entre os mais importantes colaboradores dos jornais Boa Semente, O Som Alegre e Mensageiro da Paz (que substituiu os dois primeiros a partir de 1930). Ela escrevia e traduzia mensagens evangelísticas, doutrinárias e de exortação. Foi também comentarista das Lições Bíblicas de Escola Dominical na década de 30. Além de escrever, Frida sempre se dedicou à música. Cantava, tocava órgão, violão e compunha hinos de grande valor espiritual. A Harpa Cristã contém cerca de 23 hinos de sua autoria, entre eles Deixai entrar o Espírito de Deus (n° 85) e Uma flor gloriosa(n° 196).

Depois de quinze anos dedicados ao nosso país, e de muito sofrimento por amor à Obra, a família Vingren decidiu retornar à Suécia em setembro de 1932. Dias antes da partida, a filha Gunvor faleceu, vítima de uma infecção na laringe. Frida faleceu em 30 de setembro de 1940, sete anos após o falecimento do marido.

Muitas vezes mal compreendida, questionada e criticada, Frida tinha certeza do seu chamado. Sua única convicção era de que o Senhor Jesus a acompanhava em todos os momentos de sofrimento e luta.

Ela entrou para a História como um dos maiores nomes do Movimento Pentecostal no Brasil.

PSICOLOGIA MODERNA - BREVE HISTÓRICO

HISTÓRIA DA PSICOLOGIA MODERNA, UM BREVE RESUMO

Há milhares de anos atrás, desde que o Homem se percebeu como um ser pensante, inserido em um complexo que chamou de Natureza, vem buscando respostas para suas dúvidas e fatos que comprovem e expliquem a origem, as causas e as transformações do mundo. Não obstante, o comportamento e a conduta humana são assuntos que sempre nos fascinou e estão registrados historicamente ao longo desses anos. Isso faz com que a Psicologia seja uma das mais antigas e uma das mais novas disciplinas acadêmicas, criando assim esse paradoxo.

Por muito tempo se buscou explicações para as questões naturais e humanas através de Personagens Mitológicos. Para os Gregos, os Mitos eram narrativas sagradas sobre a origem de tudo. Eram tudo em que acreditavam como verdadeiro. Os poetas, que narravam os Mitos, possuíam uma autoridade mística sobre os demais, pois eram "escolhidos dos deuses" que lhe mostravam os acontecimentos passados através de revelações e sonhos, para que esses fossem transmitidos aos ouvintes.

Com o passar do tempo a Mitologia parecia não satisfazer mais, pois notava-se insuficientemente eficaz para a quantidade cada vez maior de questões, e no início do século VI antes de Cristo, nasce a Filosofia, que significa "Amizade pelo Saber" e define uma forma característica de pensar (pensamento racional), com ela vários filósofos se destacaram, cada um com sua forma particular de pensar e buscar a sabedoria.

Alguns fatos históricos que facilitaram o surgimento da Filosofia na Grécia foram as viagens marítimas (descobertas de novos mundos), a invenção do calendário (abstração do tempo), a invenção da moeda (forma de troca), o surgimento da vida urbana (ambiente para propagação), a invenção da escrita alfabética (registro abstrato de idéias), a invenção da política (Ética da Pólis), que introduziu três fatores decisivos: as leis, o surgimento de um espaço público, e a estimulação de um pensamento coletivo, onde as idéias eram transmitidas em forma de discurso público.

Através da Filosofia Grega, que foi instituída para o ocidente, nos foi possível conhecer as bases e os princípios fundamentais de conceitos que conhecemos como razão, racionalidade, ética, política, técnica, arte, física, pedagogia, cirurgia, cronologia e, principalmente o conceito de ciência.

Entre vários filósofos gregos que contribuíram com suas idéias, temos:

Pitágoras (séc. V a.C.) - A completa sabedoria pertencia somente aos deuses, mas que era possível apreciá-la, amá-la e com isso, obtê-la. Dizia que a natureza é formada por um sistema de relações ou de proporções matemáticas, de tal modo que essas combinações aparecem para nossos órgãos dos sentidos sob a forma de qualidades dualísticas.

Parmênides (+/- 544 - 450 a.C.) - Para chegarmos à verdade não podemos confiar nos dados empíricos, temos que recorrer à razão. Nada pode mudar, só existe o ser imutável, eterno e único, em oposição ao não ser. Temos de ignorar os sentidos e examinar as coisas com a força do pensamento. O que está fora do ser não é o ser, é nada, o ser é um.

Heráclito (+/- 540 - 470 a.C.) - Suas idéias são contrárias às de Parmênides e é considerado o mais importante dos pré-socráticos. É dele as frases: Tudo flui. O LOGOS é o princípio cósmico. Não entramos no mesmo rio duas vezes. A verdade se encontra no DEVIR e não no ser. A Alma não tem limites, pois seu logos é profundo e aumenta gradativamente. O pensamento humano participa e é parte do pensamento universal. Deus se manifesta na natureza e é crivado de opostos. A terra cria tudo e tudo volta para ela.

Esses e muitos outros filósofos, que são chamados de pré-socráticos, contribuíram para o rompimento com uma visão mítica e religiosa que se tinha até então da natureza e a partir disso foi adotado uma forma científica e racional de pensar. Sócrates é considerado um "divisor de águas" na Filosofia.

Sócrates (470 - 399 a.C.), sua biografia é contada por Platão em várias de suas obras, pois Sócrates, conforme dizem, era analfabeto. Usando um método todo próprio, chamado de Maiêutica (Trazer à Luz - Fazer Parir) Socrática, através de perguntas feitas às pessoas, ele as fazia "parirem suas próprias idéias" sobre as coisas. Comparava sua técnica, a qual acreditava estar ajudando a existência humana à aperfeiçoar seu espírito, com a atividade de sua mãe, que era parteira. Para Sócrates as etapas do saber são quatro: Ignorar sua Ignorância, Conhecer sua Ignorância, Ignorar seu Saber e Conhecer seu Saber. Teve vários seguidores, causou muita irritação por suas "idéias pervertidas" e por um júri de cinqüenta pessoas, foi condenado à morte por envenenamento e deveria tomar Cicuta. Poderia ter fugido da prisão, ter pedido clemência ou ainda ter saído de Atenas, mas simplesmente não quis, tornando-se assim o primeiro mártir da Filosofia.

Após Sócrates, temos alguns filósofos cujas idéias são de extrema importância para que a Psicologia se destacasse, pois desde o século V a.C., Platão, Aristóteles e outros filósofos gregos se preocupavam com muitos dos mesmo problemas que hoje cabe aos Psicólogos tentarem explicar: a memória, a aprendizagem, a percepção, a motivação, os sonhos e principalmente o comportamento anormal.

Aristóteles (384 - 322 a.C.) - Foi criado junto com um grupo de médicos amigos de seu pai. Aos dezoito anos foi para Atenas, entrou para a Academia, onde se tornou discípulo de Platão. Defendeu alguns princípios platônicos em seus escritos durante esse período na Academia, mas sua inteligência e disciplina extraordinária fez com que ele fosse um dos primeiros e o maior crítico da teoria platônica das idéias, principalmente na Metafísica. Em 334 a.C. retornou para Atenas, onde fundou sua própria escola, o Liceu. Seu estilo sempre foi predominantemente científico, mas muitos de seus livros se perderam por causa do Índice de Livros proibidos da Igreja Católica. Realizou importante e decisivo trabalho de revisão e elaboração da história dos pré-socráticos.

Aristóteles argumenta que é a razão que controla nossos atos e nela há o raciocínio a partir dos dados dos sentidos mas que a relação sujeito-objeto era direta. O mundo é dividido entre orgânico e inorgânico, sendo o orgânico que encerra em si a capacidade de transformação. Assim ele concorda com Platão que punha a essência do homem na alma. A função do homem é uma atividade de sua alma, que segue ou implica um princípio racional, daí sua famosa afirmação: "O homem é um ser racional".

Podemos dizer que a ciência ocidental efetivamente começou com Aristóteles. Ele convenceu-se de que a infinita variedade da vida podia ser disposta numa série contínua e que existe uma escada da natureza, que evolui dos organismos mais simples para os mais elevados. Mesmo assim, sua fisiologia era precária, pois acreditava em coisas como: o cérebro é um órgão para resfriar o sangue, o corpo do homem é mais completo do que o da mulher, na reprodução a mulher é passiva e recebe, enquanto o homem é ativo e semeia. Sendo assim as características seriam predominantemente do pai.

Até o século XVII os filósofos estudavam a natureza humana mediante a especulação, a intuição e a generalização, pois baseavam-se em sua pouca experiência. Até este período, o homem olhava para o passado a fim de obter suas respostas. Somente aplicarem os instrumentos e métodos científicos, que já tinham se mostrados bem sucedidos nas ciências físicas e biológicas, foi possível ocorrer uma transformação substancial em seus estudos, fazendo assim um estudo essencialmente científico, apoiados em observações e experimentações cuidadosamente controlados para estudar a mente humana, fazendo com que a Psicologia alcançasse uma identidade que a distinguia de suas raízes filosóficas.

Com os avanços da Física e de novas tecnologias, os métodos e as descobertas da ciência cresciam vertiginosamente, fazendo surgir maravilhosas e extravagantes formas de divertimento nos jardins reais da Europa. Através da água, que fluindo através de tubulações subterrâneas, colocava em funcionamento figuras mecânicas que realizavam movimentos variados. Esses divertimentos aristocráticos refletiam e reforçavam o espanto do homem diante do milagre das máquinas. Desenvolveu-se e aperfeiçoou-se todos os tipos de máquinas para a ciência, indústria e entretenimento, como relógios mecânicos bastante precisos, bombas, alavancas, roldanas, guindastes e outros, foram criados para servir ao homem. Parecia não haver limites de criação e usos para essas máquinas.

A idéia básica originou-se da Física (ou "filosofia natural" como era conhecida) das obras de Galileu, que implantou a idéia de que o universo era formado de partículas de matéria (átomos) em movimento, portanto, estaria sujeito a leis de medição, cálculo e passível de previsão. A observação e a experimentação, seguidos pela medição eram marcas distintivas da ciência e começou a ficar evidente que todos os fenômenos poderiam ser descritos e definitos por um número, ou seja, eram quantificáveis. Essa necessidade de medição era vital para o estudo do universo como máquina e fez surgir diversos aparelhos de medição como termômetros, réguas, barômetros, relógios de pêndulo e etc.

A relação desse fato, que se deu aproximadamente 200 anos do estabelecimento da Psicologia como ciência é direta e conveniente, pois isso deu sentido à uma forma que uma nova Psicologia, que estava sendo germinada, teria que adotar, pois se todo universo era agora como uma máquina, ordenado, previsível, observável, mensurável, por que é que o homem não pode ser visto sob a mesma luz ? Assim, os mesmos eficazes métodos experimentais e quantitativos, utilizados para revelar os segredos do universo físico, podiam ser aplicados na exploração e previsão dos processos e condutas humanas.

Quando o empirismo se tornou dominante, surgiu uma nova desconfiança sobre todo o conhecimento até então obtido, dos conceitos e da visão que se tinha das coisas, dos dogmas filosóficos e teológicos do passado, aos quais a ciência estava presa. Vários homens contribuíram na elaboração de questões, tão importantes para a mudança. Dentre eles, um se destacou por contribuir diretamente para a história da Psicologia Moderna, libertando-nos dos dogmas teológicos e tradicionais rígidos que dominaram desde a época Aristotélica. Esse grande homem, que simboliza a transição da Renascença para o período moderno da ciência e que representa os primórdios da Psicologia Moderna foi Renée Descartes.

A maior contribuição de Descartes para a História da psicologia Moderna foi a tentativa de resolver o problema corpo-mente que era uma questão controvertida e que perdurava desde o tempo de Platão, quando a maioria dos pensadores deixaram de adotar uma visão monista (mente e corpo era uma só entidade) e adotaram essa posição dualista: mente e corpo eram de naturezas distintas. Contudo essa posição implicava numa outra questão: Qual é a relação entre mente e corpo ? A mente e o corpo influenciam-se mutuamente ou só a mente influenciava o corpo conforme se pensava até então ?

Descartes absorveu a posição dualista, mas defendia que a interação entre mente e corpo era muito maior que se imaginava e que não só a mente poderia influenciar o corpo, mas o corpo poderia influenciar a mente de uma forma muito maior do que se imaginava até então. Descartes argumentou que a função da mente era somente a do pensamento e que todos os outros processos era realizados pelo corpo. Mente e corpo, apesar de serem duas entidades distintas, são capazes de exercer influências mútuas e interatuar no organismo humano. Essa teoria foi chamada de interacionismo mente-corpo.

Uma vez que o corpo era separado da mente e formado por matéria física, este deve compartilhar então com todas as leis da Física que explicam a ação e movimento. Concluiu Descartes ser o corpo como uma máquina, onde seu funcionamento pode ser explicado por essas leis. Descartes foi profundamente influenciado e influenciou bastante o espírito mecanicista de seu tempo.

Por outro lado, por não possuir quaisquer propriedades da matéria, a mente tem como função o pensamento e a consciência, nos fortalecendo o conhecimento do mundo externo. Essa "coisa pensante" é livre, imaterial e inextensa.

Uma vez que havia essa interação mútua entre corpo e mente, Descartes foi forçado a crer que havia um ponto no corpo onde essa interação poderia acontecer e como percebeu que as sensações viajam até o cérebro por percursos bem definidos, acreditou ser este o órgão responsável por esta interação. Mais precisamente a glândula pineal, pois é esta a única estrutura não duplicada no cérebro. Considerou então ser este o ponto onde acontecia a interação mente-corpo.

A obra mais importante de Descartes foi "O Discurso do Método", que era dividido em seis partes e a partir dele, Descartes estabeleceu que somente através da razão, que mediava todas as relações objeto/sujeito, é que se pode chegar à verdade sobre as coisas, fez severas críticas ao sensualismo dizendo que os sentidos podem enganar e, partindo as idéias de Galileu, disse que a chave para a compreensão do universo estava na matemática.

Após Descartes, a ciência moderna e a psicologia se desenvolveram rapidamente e em meados do século XIX o pensamento europeu foi impregnado por um novo espírito: o Positivismo. Esse conceito foi obra de Auguste Conte que para tornar seus conceitos o mais viáveis possíveis, se limitou nessa obra a apenas fatos cuja verdade estavam acima de qualquer suspeita, ou seja, somente aos fatos que poderiam ser comprovados cientificamente, observáveis e indiscutíveis. Esse espírito materialista gerou idéias de que a consciência poderia ser explicada através em termos da Física e da Química e os pesquisadores se concentraram na estrutura anatômica e fisiológica do cérebro.

Durante esse período histórico, na Inglaterra, estavam em grande atividade um terceiro grupo de filósofos, os empiristas. Investigavam como a mente adquire os conhecimentos e diziam ser somente através das experiências sensoriais que isso acontecia.

Positivismo, materialismo e empirismo convertiam-se aos alicerces filosóficos de uma nova psicologia, onde os fenômenos psicológicos eram constituídos de provas fatuais, observacionais e quantitativas, sempre baseados na experiência sensorial. O método dos empiristas apoiava-se completamente na observação objetiva na experimentação e diz que a mente se desenvolve através da acumulação progressiva das experiências sensoriais. Está nítido assim que essas idéias iam de encontro às teorias de Descartes, que dizia que algumas idéias eram inatas.

Dentre os empiristas britânicos e suas principais contribuições para a Psicologia temos John Locke (1632-1704) - Ensaio Acerca do Entendimento Humano - 1690, que começou a negar a existência de idéias inatas e que através da experiência o homem adquire conhecimentos e que esse processo era composto de duas fases: as sensações e as reflexões e através das reflexões os indivíduos recordam e combinam as impressões sensoriais para formar abstrações e outras idéias de nível superior. A origem geral das idéias são sempre as experiências ou as impressões sensoriais, mas a formação das idéias de nível superior proporcionou a noção da associação de idéias, assim como a decomposição de processos mentais em idéias simples e a combinação dessas idéias passaram a ser o núcleo da investigação central da Nova Psicologia Científica. Uma outra doutrina importante de Locke foi a noção de qualidades primárias (inerente aos objetos e independem de nossos sentidos) e as qualidades secundárias (dependente da pessoa que percebe). Essas qualidades secundárias só existem no ato da percepção e são de natureza subjetiva. Isso vem numa tentativa de explicar o fato de nem sempre existir uma correspondência exata entre o mundo físico e a forma com que este é percebido pelo sujeito.

Isso fez com que alguém perguntasse se esta diferença de qualidades realmente existia ou se, todas as qualidade de alguma coisa não dependesse somente da percepção e da subjetividade do observador. Quem levantou esta questão foi George Berkeley (1685-1753) - Um Ensaio Para Uma Nova Teoria da Visão (1709) e O Tratado Sobre os Princípios do Conhecimento Humano (1710), sua contribuição para a psicologia ficou nesses dois livros e do fato de ter concordado com Locke acerca de que todo conhecimento provinha do experiência, mas discordou quanto às qualidades primárias, dizendo só existirem as secundárias, pois todo conhecimento é função da pessoa que percebe ou experimenta. Alguns anos depois, esta oposição à idéia de Locke, foi chamada de Mentalismo, pois dava total ênfase aos fenômenos mentais. Tudo que podemos crer é naquilo que percebemos, pois a percepção está dentro de nós e portanto, é individualmente subjetiva, assim como se eliminarmos a percepção a qualidade desaparece, não existindo assim substância material de que possamos estar certos.

Mesmo assim, Berkeley não estava afirmando que os objetos reais do mundo material só existiam devido serem por nós percebidos, mas que não podemos conhecer com absoluta certeza a natureza destes objetos reais. O que conhecemos é somente nossas próprias percepções acerca deles. Assim, uma árvore na floresta, existe e tem características próprias, mesmo que não haja ali um homem para percebê-las. O motivo disso, segundo Berkeley, era devido a presença de Deus que estava sempre ali para percebê-las (afinal ele era Bispo) e isso explicava a consistência e estabilidade do mundo material.

Berkeley recorreu à teoria da associação de idéias para explicar o nosso conhecimento do mundo real e disse que através da associação de idéias simples (elementos mentais), percebidas pelos sentidos, formamos as idéias compostas. Assim ele deu continuidade à crescente tradição associacionista do Empirismo.

Outros três filósofos historiadores que contribuíram para a história da Psicologia foram David Hume (1711-1776) com a obra Tratado Sobre a Natureza Humana (1739), David Hartley (1705-1757) com sua obra: Observações Sobre o Homem, Sua Constituição, Seu Dever e Suas Expectativas (1749) e James Mill (1773-1836) com sua obra: Análise dos Fenômenos da Mente Humana (1829).

Hume acreditava ser a mente uma qualidade secundária, assim como a matéria e nada mais é que um fluxo de idéias, sensações, lembranças e etc. Hume colocou uma importante observação: que quanto mais semelhantes e contíguas são duas idéias, mais estas tenderão à se associar e que essa lei de associação era uma réplica mental da lei da gravidade no mundo físico e que isso era o princípio universal do funcionamento mental.

Haltley foi reconhecido como o fundador do associacionismo como doutrina formal. A lei associacionista fundamental de Hartley é a da contigüidade, que procurava explicar a memória, a emoção e a ação voluntária e involuntária.

Mill foi dos três mecanicistas, o mais radical, dizendo que os outros pensadores não haviam ido suficientemente longe e que a mente era uma máquina, que funcionava de forma semelhante ao funcionamento de um relógio e que esta é totalmente passiva, pois sobre ela atuam os elementos externos e que os indivíduos apenas reagem à esses estímulos, não conseguindo atuar de forma expontânea. Como o nome de sua obra sugere, Mill acreditava que os fenômenos mentais podiam ser estudados através da redução ou análise desses fenômenos aos seus elementos básicos. Esse reducionismo é o princípio básico do espírito mecanicista da época.

Influências Fisiológicas:

As influências da fisiologia na Psicologia ocorram devido as diferenças individuais, dadas pelos fatores pessoais, que foram percebidas e sobre as quais não se tem controle. Trata-se da subjetividade influenciando na percepção dos fenômenos mentais. Os cientistas, no final do século XIX, passaram então à investigação e estudo dos órgãos dos sentidos, através dos quais, recebemos as informações acerca do mundo externo e temos as sensações e percepções.

Vários foram os cientistas que recorreram ao método experimental para estudo da psicologia e realizaram estudos sobre o comportamento, os movimentos voluntários, involuntários e os movimentos reflexos. Dentre eles, na Alemanha, tivemos quatro que são responsáveis diretos pelas primeiras aplicações desse método: Hermann von Helmholtz, Ernest Weber, Gustav T. Fechner e Wilhelm Wundt. Todos eles estavam integrados com o desenvolvimento da fisiologia e da ciência que ocorreu na metade do século XIX. Seus trabalhos foram decisivos para a fundação da Nova Psicologia.

Helmholtz, através de pesquisas com rãs, realizou importantes experimentos sobre a velocidade dos impulsos nervosos e o tempo que os músculos levam para respondê-los. Realizando assim a primeira medição desse tempo, que antes se pensava que seria rápido demais para que pudesse ser medido. Realizou pesquisas também sobre a visão e a audição.

Weber foi um pouco mais além de Helmholtz, realizando pesquisas das sensações cutâneas e musculares, mas sua principal contribuição para a Psicologia foi seu trabalho designado de Limiar de Dois Pontos, que consistiu em se determinar a distância em que dois pontos de estimulação na pele pudessem ser discriminados como somente um ponto ou dois distintos de estimulação. Outras pesquisas de Weber com a percepção também foram importantes, sempre realizando experimentos com as sensações e mostrou que há relação direta entre um estímulo físico e a nossa percepção deste.

Fechner era mais ligados à interesses intelectuais e em 1833, após muitos anos de trabalhos árduos, entrou em profunda depressão que durou vários anos, perdendo seu interesse pela vida. Após uma breve melhora, Fechner percebeu que a quantidade de sensação (mental) depende da quantidade de estímulo (físico ou material), logo, que seria possível relacionar quantitativamente os mundos mental e material. Seria necessário, entretanto, que fossem medidos de forma precisa o estímulo físico e sensação mental. Medir os estímulos físicos era relativamente fácil, mas como medir se o estímulo estava ou não sendo sentido era uma tarefa que somente o sujeito pode determinar, através do relato da sensação. Isso foi chamado de Limiar Absoluto de Sensibilidade. Fechner propôs também o Limiar Diferencial, onde a menor quantidade de mudança de estímulo produz ainda uma mudança de sensação. O resultado das pesquisas de Fechner foi chamado de Psicofísica, que significa um relacionamento entre os mundos mental e material e através de seus métodos foi possível quebrar uma barreira imposta no início do século XIX, quando Immanuel Kant insistia que a Psicologia jamais poderia se tornar uma ciência, pois seria impossível realizar experimentos com processos psicológicos, que até então eram impossíveis de serem medidos.

Com algumas modificações, os métodos de Fechner na pesquisa dos problemas psicológicos são utilizados até hoje e na época fez com que Wilhelm Wundt baseasse seu trabalho de psicologia experimental. Ele deu à psicologia técnicas de medidas precisas e elegantes, fazendo dela uma ciência e é considerado fundador de uma Nova Psicologia.

Wundt estabeleceu seu primeiro laboratório na Universidade de Leipzig, na Alemanha. Utilizou as técnicas usadas pelos fisiologistas e os métodos experimentais das ciências naturais.

Apesar de utilizar o método reducionista, Wundt concordava ser os elementos da consciência entidades estáticas, mas que estes participavam ativamente no processo de organização de seu próprio conteúdo, logo deu mais importância à essa organização do que aos elementos em si.

O método de estudo de Wundt era o da introspecção analítica, cujo conceito ele adaptou de Sócrates, inovando apenas no uso de um controle experimental preciso no método. Considerava as sensações e os sentimentos formas elementares da experiência, apesar de considerar a mente e o corpo sistemas paralelos mas não interatuantes, e como a mente não dependia do corpo, era possível estudá-la eficazmente em si mesma.

Nos primeiros anos do Laboratório de Leipzig, Wundt teve que se desvincular seu trabalho com um passado não científico, cortando vínculos com a velha filosofia mental, deixando para esta discussões sobre a natureza da alma imortal e seu relacionamento com o corpo mortal, o que contribuiu mais ainda para seu trabalho científico e foi considerado um grande salto. Isso gerou algumas controvérsias, mas outros estudiosos participaram e se mantiveram unidos em termos de tema e propósito para a psicologia ser científica e não o "estudo da alma".

Em 1892 uma versão da psicologia de Wundt foi levada aos Estados Unidos por seu aluno E. B. Titchener, que a alterou consideravelmente, propôs uma nova abordagem que denominou estruturalismo.

Apesar de ser a introspecção seu método de estudo, Titchener criticou publicamente a abordagem wundtiana e em sua abordagem própria, os observadores (que eram os próprios psicólogos), eram treinados e tinham que aprender a perceber para que pudessem descrever seu estado consciente e não o estímulo em si.

Muitas pesquisas foram realizadas sobre as várias qualidades de sensações básicas que foram "descobertas", apesar disso o estruturalismo apresentava algumas limitações óbvias, mostrando que o método de estudo, a introspecção formal, falhava por ser obscuro e pouco confiável, portanto fora do alcance do objetivo científico.

Outro movimento que veio remediar essas falhas foi o funcionalismo.

William James (1842 - 1910), um dos mais influentes psicólogos americanos, professor de Filosofia em Harvard, não se identificou com nenhum movimento e via o estruturalismo como sendo limitado, artificial e extremamente inexato. Além disso, argumentou James, a consciência é subjetiva, está em constante movimento de evolução, é seletiva na escolha dos inúmeros estímulos que a bombardeiam e tem como papel principal a adaptação dos indivíduos aos seus ambientes.

Vários psicólogos foram bastante influenciados pela visão de James e como os processos mentais funcionavam para ajudar na adaptação dos homens em um mundo hostil. Apesar de se oporem fortemente ao estruturalismo, discordaram entre si em alguns aspectos. Isso fez com que o funcionalismo não pudesse mais se auto-sustentar e que em 1912 surgisse um novo movimento norte-americano, o Behaviorismo.

Liderado por John Watson (1878 - 1958), o Behaviorismo tinha a proposta de fazer da Psicologia uma ciência respeitável como as ciências naturais e isso só seria possível se os psicólogos utilizassem como objeto de estudos o comportamento observável, que pode ser mensurado, e métodos objetivos, pois os processos mentais pouco importavam, por não serem passíveis de mensuração até então. A maior crítica do Behaviorismo ao estruturalismo foi exatamente o objeto de estudo: a mente. Essa nova proposta atraiu vários jovens seguidores, psicólogos americanos que se sentiram atraídos pela proposta objetiva e o estilo fulgurante do Behaviorismo, que marcou bastante a psicologia norte-americana e até hoje o estudo do comportamento humano exerce grande influência na Psicologia Moderna.

A filosofia principal do Behaviorismo começou por estudar os comportamentos controlados em laboratórios, dos animais (os quais podiam ser comparados aos dos humanos), de acordo com estímulos que lhes eram apresentados. Com o passar do tempo essa filosofia foi ampliada pelas idéias de B. F. Skinner (1904 - 1990), um dos mais importantes figuras do comportamentarismo.

Enquanto isso, na Alemanha, crescia a Psicologia da Gestalt (que significa forma, estrutura).

Tanto o Behaviorismo norte-americano, como a Psicologia da Gestalt alemã, surgiram, em parte, como protesto, baseado nas críticas ao estruturalismo, mas a psicologia da Gestalt, no lugar de criticar o objeto de estudo, que no caso era a mente, vem para criticar o método utilizado até então, que era o da introspecção e de certa forma, critica também o reducionismo praticado pelos behavioristas.

Em 1912, Max Wertheimer (1880 - 1943), considerado o fundador da Psicologia da Gestalt, publicou um relatório sobre seus estudos sobre um fenômeno que chamou de Movimento Aparente, ou seja, a impressão de movimento quando na verdade ele não está acorrendo. O cinema e as imagens de telas de TV são ótimos exemplos desse fenômeno, onde uma seqüência de imagens consecutivas nos é apresentada e essa consecução nos dá a nítida idéia de movimento.

Com isso, pela primeira vez, foi demonstrado que "O todo é mais que a soma das partes", pois se uma imagem apenas nos for apresentada (reducionismo), a idéia principal que é o movimento simplesmente deixa de existir. É o mesmo que acontece com uma sinfonia, onde se somente uma nota apenas for apresentada, perde-se a idéia da harmonia musical que esta proporciona ao conjunto.


Paralelamente, mas alheio às influências da psicologia acadêmica, na Europa surgia um novo movimento chamado de Teoria Psicanalítica, onde Sigmund Freud (1856 - 1939) foi seu precursor.


Mas isso já é outra história ....


Referências Bibliográficas:

Alberto Cotrim - Fundamentos da Filosofia - SP - Edt. Saraiva - 1993

Chaui Marilena - Convite à Filosofia - SP - Edt. Ética - 1994

Duane P. Schultz & Sydney E. Shultz - História da Psicologia Moderna - Cutrix - 10ª. Edição

Linda L. Davidoff - Introdução à Psicologia - SP - McGraw-Hill do Brasil - 1983

Rezende, Antônio - Cursos de Filosofia - RJ - Jorge Zahar Edit. - 1996

REINO - IGREJA e SOCIEDADE

Reino Igreja e Sociedade - Três Estilos Diferentes?

Parte - 1 (Carlos Miranda)

Sou pastor de uma igreja situada no centro de Buenos Aires, Argentina. Portanto, o que se segue é uma leitura sul ocidental da realidade. Seguramente a partir de outras latitudes a visão poderá ser diferente. No entanto, como estamos em um mundo cada vez mais globalizado, com certeza, encontraremos pontos em comum.

Estou usando a palavra estilo porque é a que melhor representa nosso tempo pós moderno. Com efeito, a pós modernidade é um estilo cultural que responde a condições sócio-culturais. Se nas sociedades tradicionais a posição de uma pessoa estava determinada pelo seu papel, e nas sociedades modernas estava determinada pelo lucro, nos tempo pós modernos a posição de uma pessoa está determinada pelo estilo. Na medida que muda o estilo, devemos mudar com ele, por que senão nossa identidade ficará em dúvida . Vicente Verdú, um dos mais aguçados investigadores dos fenômenos contemporâneos, escreveu um livro chamado "O Estilo do Mundo", com uma das análises mais certeiras sobre nosso tempo, e justifica o uso da palavra estilo e não espírito por que estilo "evoca melhor a sinuosa aparência" de nossa sociedade hoje . Gostaria de usar algumas das tendências que o sociólogo espanhol marca para situar-nos na realidade de nossa sociedade atual.

I. O estilo deste mundo:

1. O estilo deste mundo é o do pensamento débil: Gianni Vattimo define a pós modernidade como uma espécie de Babel informativa, onde a comunicação e os meios adquirem um caráter central. A pós modernidade marca a superação da modernidade com seus modelos fechados das grandes verdades, de fundamentos consistentes. A pós modernidade abre o caminho, segundo Vattimo, para a tolerância, para a diversidade. É a passagem do pensamento forte, metafísico, das cosmo visões filosóficas bem definidas, das crenças verdadeiras, para o pensamento débil. A pós modernidade é um estilo de pensamento que desconfia das noções clássicas de verdade, da razão, identidade e objetividade, para a idéia de progresso universal. Contra essas normas iluministas, considera o mundo como contingente, não explicado, diverso, instável, indeterminado, um conjunto de cultura desunidas ou de interpretações. Tudo isso gera um grau de ceticismo sobre a objetividade da verdade, a história, as normas, e a coerência das identidades.

2. O estilo deste mundo é o da globalização: O mundo globalizado instalou a tendência de nosso mundo a homologação, apesar dos movimentos nacionalistas, tribais e folclóricos. O que se conhece como o McWorld . Vivemos no mundo das franquias, com a intencionalidade forte de que todos comamos o mesmo , vistamos igual , brinquemos igual , vivamos em cidades genéricas , tenhamos sistemas políticos e financeiros similares, debaixo de um mesmo componente cultural: o ocidental e especialmente o norte americano. O particular e diverso se "somam" ao pacote cultural homogêneo, com o propósito de introduzi-lo melhor. O ressurgimento do islamismo deu a impressão de se freava a ocidentalização, mas nada mudou profundamente. Pierre Bourdieu dizia que a globalização não é um efeito mecânico das leis da técnica ou da economia, mas uma criação política. Uma progressiva criação do capitalismo com o propósito de estabelecer as melhores condições para seu funcionamento e dominação. Uma dominação suave e cativante que oferece uma mesma cultura propensa ao desenvolvimento do negócio. A globalização tem cor norte americana. O domínio norte americano começou com um fascínio por suas industrias. Junto com isso, sobreveio a influência social e moral: divórcios, competição feroz, direitos civis, o feminismo, o super individualismo, o stress, a ecologia, o neoliberalismo, o voluntariado, o gay, o shopping. Alcançou o status de primeira potência econômica nos anos vintes do século passado, alcançou um glamour humano na década dos trintas, sua apoteose nos cinqüentas, arrasou o mundo financeiro durante os oitentas e se fez império mundial depois da queda do muro de Berlim, em 1989. Nunca antes na história da humanidade um só pais reuniu tanto poder. A hegemonia norte americana depois da queda do muro de Berlim é indiscutível. A arrogância militar e financeira tem deteriorado significativamente a imagem da superpotência. Isto faz com o capitalismo globalizado utilize uma nova estratégia. Não está para avassalar, mas para produzir amigos. Não busca ser temido, mas busca obter os melhores resultados por ser "encantador". Uma presença sutil, suave.

3. O estilo deste mundo é o do novo capitalismo: O capitalismo passou por três fases. A primeira é o capitalismo de produção, que foi desde os fins do século XVIII até a Segunda Guerra Mundial. Nessa etapa o principal eram as mercadorias. A segunda foi a do capitalismo de consumo, desde a Segunda Guerra até a queda do Muro de Berlim. A ênfase foi que os artigos estavam envolvidos pela mensagem da publicidade. E a terceira etapa, a atual, que Verdú chama de capitalismo de ficção, surgido no começo dos anos noventas, do século XX. E a ênfase é a importância dramática das pessoas. Os dois primeiros capitalismos se ocupavam primordialmente com os bens e o bem estar material, mas o atual capitalismo de ficção se encarrega das sensações, do bem estar emocional. Os dois primeiros abasteciam realidade de artigos e serviços, enquanto o capitalismo de ficção se propõe produzir uma nova realidade, isto é, uma segunda realidade, ou realidade de ficção, com a aparência de ser uma realidade melhorada. Desta maneira o capitalismo deixa de ser meramente uma organização econômica e se converte em civilização.

4. O estilo deste mundo é estilo do show: A guerra santa, a responsabilidade moral das empresas, o comércio justo, o marketing com causa, a "transparência" da política, a estética dos enxertos, a orgia futebolística, os reality shows, a vídeo vigilância universal, a cultura do Shopping, a cidade como parque temático, a democratização, a clonagem, são fenômenos do capitalismo de ficção, onde a realidade se convalida pela realidade do espetáculo. Segundo Baudrillard, o mundo contemporâneo se caracteriza por um processo de desmaterialização da realidade: o olhar do homem já não se dirige para a natureza, mas para as telas da televisão; a comunicação tem se convertido num fim em si mesma em um valor absoluto. Tudo é um espetáculo, e para isso é preciso converter o cidadão em um espectador, e vender as entradas a todo um planeta homogeneizado. "Os espaços onde compramos, onde viajamos, onde vivemos, vão num caminho de conversão num teatro onde somos atores e espectadores, clientes e artistas". Ou como disse o famoso consultor internacional Tom Peters: "Todo o mundo já está no negócio do espetáculo". As técnicas do espetáculo estão incorporadas a religião, a educação ou a guerra e nenhuma atividade fica fora do show business, por que os cidadãos aspiram a não entediar-se nunca, escapando ao peso e gravidade da realidade. Erich Fromm sustentava a quase meio século, que o estado estava interessado em criar indivíduos deprimidos porque governar cidadãos depressivos seria sempre mais fácil aos efeitos da manipulação, e por que o individuo nesse estado não tem forças para protestar e rebelar-se. Mas hoje a estratégia é outra. O estilo atual do mundo tem comprovado que o individuo distraído, entretido, é o que menos protesta e deixa de rebelar-se. O titulo do livro de Neil Postman, "Amuzing Ourselves" (Divertir-nos até morrer) revela o objetivo deste tempo . Na metade do século XX a industria da defesa foi chave no desenvolvimento norte americano. Mas hoje o primeiro lugar é ocupado, soberbamente, pelo setor do entretenimento . Na Espanha se construiu nos últimos anos mais de 60 parques de ócio (lazer). Países em crise como Argentina em 2002, apesar da adversidade tem uma demanda crescente de entretenimento . Tudo tem que ser divertido. A luta pelos pobres não se faz mais com atos revolucionários nem com protestos das massas, mas com recitais de rock. A única coisa que tem relevância é que seja divertido. Na Grã Bretanha os gastos em lazer e diversão têm superado os gastos com comida e bebida. "Nós vendemos felicidade", é o slogan da Disney, "porque felicidade é o melhor produto do mundo". Charles Baudelaire chamava a arte "os domingos da vida", os momentos em que a experiência estética converte o tempo comum em festa. Mas hoje, na sociedade do espetáculo, que todos os dias da semana tente divertir-nos até morrer, sempre pode ser domingo.

5. O estilo deste mundo é infantil: Uma das agencias de publicidade maiores do mundo , criou um termo: AABKA, para qualificar aos novos adultos progressivamente infantilizados: "Adults Are Becoming Kids Again" (adultos voltando à infância de novo). Alguns chamam essa tendência de Vice is Nice (o vício é lindo), se referindo à inclinação infantil de procurar satisfações continuas e urgentes. Os adultos jogam cada vez mais, não somente nos esportes, mas com brinquedos. Os videogames contrariamente ao que se pensa, não é um passatempo de crianças e adolescentes exclusivamente, mas sobretudo de adultos. O Play Station, é considerada pela Sony como modo de vida para adolescentes e adultos jovens. Não se pode subestimar essa infantilização. Nossa cultura globalizada avança para uma extraordinária complacência com a figura do menino ou com a adoração da mentalidade da criança. Nunca como nos últimos anos se publicou tantos livros sobre a regr essão à infância. Os jovens resistem ser adultos. A escassez de compromisso político, a substituição da critica social pela manutenção passiva do status quo, as sérias dificuldades para assumir responsabilidades nos adultos, o abandono e negligência na educação das crianças, osprogramas de televisão mais vistos com um nível menor ao de um adolescente do nível secundário, o retorno aos heróis dos quadrinhos a vestimenta adulta com gorros (bonés), mochilas, camisetas estampadas em amplo crescimento. Não somente tenta apagar o passar dos anos da aparência física, mas da consciência. A ambigüidade da vida, que faz que os adultos tentem viver disfarçando-se de outros personagens, como faria uma criança. Talvez a apoteose como símbolo do infantilismo seja o lugar absolutamente desmedido que toma o espetáculo desportivo. As cidades não se mobilizam mais por uma greve geral, senão por uma partida de futebol. O futebol permite viver uma para-realidade infantilizada, sem ter sofrer os elementos duros da vida. A versão feminina são os programas de entrevistas (talk show) e os reality shows. Enquanto os homens se trasladam para a paranormalidade das partidas de futebol, as mulheres trocam sua realidade pela realidade das peripécias a que se expõe os personagens da televisão.

6. O estilo deste mundo é o estilo da falsificação: O conceito de verdade está em crise. No modelo pós moderno a verdade tem sido substituída pela semelhança. Isto faz que vivamos no mundo da copia, da falsificação, da ambigüidade, da duplicidade, da reciclagem. O travesti na sexualidade. O corpo com os implantes e as cirurgias plásticas, a aplicação de células mães para evitar os defeitos do corpo. A clonagem. Mais de um terço do mercado discográfico são os discos piratas, que já não são tão piratas porque suas empresas pertencem à corporação do selo original. A China não só tem copiado a roupa e os produtos ocidentais, como tem copiado a própria cultura capitalista. Hoje se falsifica em todo o mundo até medicamentos. Na Índia e em outros países se falsificam os cosméticos, isto é, se falsifica a aparência da aparência. A cosmética ocidental é mimetizada em uma cosmética da cosmética. Na Argentina há um mercado do "trucho" (falso), chamado "A Salada" do qual participam milhares e milhares de pessoas de todo o mundo semanalmente para comprar todo tipo de produtos copiados. Este não é um fenômeno exclusivo dos países em desenvolvimento, mas o mesmo acontece com os chineses da 5a Avenida, em New York ou em Piccadilly Circus, em Londres. Já não se falsificam somente o produto, mas também aquilo que poderia ser a garantia de originalidade: os códigos de barra, as embalagens, os logotipos, os certificados de garantia, os envoltórios. Com o sistema digital a reprodução de obras de arte faz com que não se consiga distinguir entre o original e a cópia. Nessa mesma linha a ânsia pelo retrô é uma forma de copiar. O revival como cópia do passado. No início do século XX havia um entusiasmo por abraçar o futuro, havia uma visão otimista e projetiva, mas o início do século XXI coincidiu com o terror e ninguém quer ir mais longe, e todos temem o futuro. É como se a história houvesse parado e se começasse a reviver os acontecimentos do passado, como o nacionalismo, o racismo, as lutas étnico-religiosas, a ameaça nuclear, os populismos latino americanos, os discursos sobre os desaparecidos nos governos pós ditatoriais, os protestos anti globalização com as imagens do Che e a música de John Lennon. Muito do que vivemos tende a ser um déjà vu, uma reedição do já vivido, já que não há esperança de um horizonte superador. O presente se faz presente mediante uma cópia do passado. A falta de compromisso com a circunstância presente é tão débil que a única âncora é o passado.

7. O estilo deste mundo é o estilo do hiperindividualismo: Luc Ferry chama o nosso tempo de a época do "ultraindividualismo", Pascal Bruckner o tem batizado como "superindividualismo" e os sociólogos norte americanos, como Lash, o denominam "narcisista". Lipovetsky qualifica este período de "segunda revolução individualista" ou passagem do individualismo limitado que inaugurou o século XVIII, para o individualismo total. Na atualidade, segundo Touraine, não se trata de buscar o sentido no mundo, mas o sentido de "minha" vida. O sistema o modelo da personalização dos artigos (customizados) para neutralizar o mal estar que padeciam os consumidores ao ser tratados em série, dentro do tosco capitalismo anterior. O capitalismo de consumo ofereceu grandes quantidades de objetos para aumentar a sensação de bem estar, mas agora, o capitalismo de ficção procura aumentar a impressão de "ser alguém". O sistema não se ocupa diretamente de nos fazer gastar muito, mas de nos fazer crer que no quanto valemos. A marca não se impõe, mas coopera em fazer o "eu"; as empresas não pressionam para que gastemos para seu proveito, mas para que invistamos, sobre tudo, em nós mesmos. Na política já não se trata de construir uma ideologia determinada e forte, mas de acomodar-se às solicitações do eleitorado. Na nova psicoterapia, altamente pragmática, se renuncia em prescrever uma mudança nas condutas do cliente, se tal correção o incomodar: o melhor é recorrer aos medicamentos. Custa, para as empresas, quatro ou cinco vezes mais captar um novo cliente do que conservar ao que tem, assim que, sobre tudo deve-se cuidar de não espantá-lo. O bombardeio de conselhos (livros de auto ajuda, anúncios publicitários, recomendações medicas, opiniões midiáticas) tudo para desenhar interminavelmente um outro eu melhor. Paradoxalmente a centralidade no eu, é acompanhada da falta de uma identidade clara. Hoje há uma aglomeração de "eus" substitutos e contraditórios. No capitalismo de ficção, não se fala de classes sociais, mas de classes de vida. A luta de classe foi sucedida pela luta para ser eu, e a luta pela revolução tem continuado no afã para que ser alguém. O escritor Walter Truett Anderson dá quatro termos que os pós modernistas usam para falar do eu ou das múltiplas identidades. O primeiro é multifrenia. Isso se refere às muitas vozes diferentes em nossa cultura que nos dizem quem somos e o que somos. O pós modernismo diz que não há uma personalidade íntegra, mas multiplicidade de personalidades. Em definitivo, não podemos saber muito bem quem somos. O segundo termo é proteano (vem do deus Proteo, um deus marinho conhecido por sua capacidade de metamorfose). O eu proteano é capaz de mudar constantemente para adequar-se às circunstancias atuais. "Pode incluir mudar de opiniões políticas e de comportamento sexual, mudar de idéias e da forma de expressá-las, mudar formas de organizar a própria vida". Em terceiro lugar, Anderson fala do eu descentralizado e significa que não existe nenhum eu. O eu está sendo redefinido constantemente, e sofrendo mudanças. O quarto termo é o eu-em-relação. Significa que não vivemos nossas vidas como ilhas enquanto a nós mesmos, mas em relação a pessoas e a certos contextos culturais. Para entender a nós mesmos, necessitamos entender os contextos de nossas vidas. Se juntarmos esses quatro termos, temos a imagem de uma pessoa que não tem nenhum centro, mas que está sendo jogada em muitas direções diferentes, e está constantemente mudando e sendo definida externamente pelas diferentes relações que tem com os outros. Antes de acreditava que a nossa meta devia ser alcançar a integridade. O pós modernismo diz: impossível. O desenvolvimento da assistência psiquiátrica, a proliferação de antidepressivos, o enorme consumo de sedativos e pílulas da felicidade é correspondente com essa patologia que o hiperindividualismo tem espalhado por nossa sociedade. O indivíduo atemorizado por desaparecer no "coletivo" e desesperado pela falta de comunidade. Lutando para evitar ser homogêneo e sofrendo, paralelamente, ao peso do culto ao eu. Nesse hiperindividualismo, o cliente é que determina tudo no mundo de hoje.

Os executivos das produtoras de televisão, das editoras, das industria cinematográfica, assistem a cursos sobre estrutura narrativa, com o propósito único de satisfazer o gosto do público, e então, a partir do que aprendem, fazem as correções às obras que os roteiristas, escritores e compositores lhes entregam. Hoje as produções, não são de um autor, mas de equipes de trabalho que se propõe criar um produto que satisfaça ao gosto do povo. Os artistas de antes tentavam explorar novos mundos e provocavam estupefação ao comunicar ao público suas descobertas, porque iam além daquilo que era compreendido pela gente, viam o que os outros não viam, eram profetas, e por fim alardeavam não serem compreendidos. Mas os artistas de hoje, não pretendem trazer revelação do novo, pois sua tarefa é reelaborar o conhecido e aceito, e o grande esforço é comunicar o que fez. Ser hoje um incompreendido não aumenta os ganhos dos autores, ao contrario isso termina com eles. Os artistas concentram seus sonhos em difundir-se massivamente, a ponto que quando faz algo que "pega", se verá obrigado a repetir-se sem cessar. O artista procura ser aplaudido e não ser incompreendido, pretende ser um sucesso na mídia, incorporar-se a esse mundo de mídia. Os artistas não querem ser profetas nem passar para a história, o que querem é entrar no mundo.

8. O estilo deste mundo substitui a ética pela cosm-ética: O capitalismo de ficção quer mostrar uma imagem bondosa. Hoje se entregam etiquetas de boa conduta para as empresas que colaboram com o ambiente, não (super)exploram aos empregados e não manipulam a contabilidade. As universidades dão aulas de ética nos negócios. Na prática a maior parte das empresas não se comporta muito diferente das de trinta anos atrás, mas se submetem a um diagnóstico, para aparecer como limpas. O mais importante não é cumprir as obrigações com as autoridades, constantemente subornadas, nem diante dos sindicatos, mas diante da opinião pública, com uma imagem de militância moral por meio do marketing com causa. No plano individual a relatividade ética tem se convertido em anomia (ausência de normas). Diante da sexualidade a pós modernidade tem subido os decibéis a mui altas cotas de promoção e consumo, doses fortes de erotismo e de vulgarização genital. Há toda uma apologia do hedonismo focalizado na sexualidade, tudo muito bem estudado, programado e oferecido com persistente vigor. O sexo tem se convertido em consumo de massas mediante a web-pornografia , a telefonia erótica, os classificados de encontros, os vídeos, as telenovelas; o consumo de sexo, não somente tem se intensificado, como tem ganho em precocidade. Podemos dizer que a pós modernidade vive a "toda sexualidade", a toda "ressurreição da carne". Com um efeito paradoxal: a exposição da intimidade na totalidade anula a intimidade e faz desaparecer o objeto. Porque uma vez que se explora exaustivamente todo o campo, uma vez que a pupila tenha chegado ao cúmulo do mais explícito, a visão se vela. A total visão do visível anula a excitação e o resultado é uma fartura onde agoniza o desejo pelo objeto. Paralelamente há uma crise da heterossexualidade. A homossexualidade não só é aceita, mas está perdendo significação, precisamente pelo êxito alcançado em permear a cultura, e então já não é mais chamativo. Dois sexos são poucos sexos, inclusive, três é uma quantidade exígua. O atual, de acordo com as últimas tendências, é ser queer (extravagante). Para esses não existe uma identidade sexual determinada, mas mil gradações do sexo.

Parte – 2 - (Carlos Miramda)

II. O estilo da igreja contemporânea:

A igreja vive em uma tensão permanente entre estar no mundo e ser do mundo. É a tensão cultural. E lamentavelmente ao longo dos séculos o povo de Deus, desde Abraão até hoje, está nessa luta e muitas vezes cai no que chamo de cativeiro cultural da igreja.
Se esta apresentação tivesse sido feita por um sociólogo e não por um pastor, seguramente não haveria separado este ponto do anterior, mas, assim como ilustramos cada uma das características do estilo de nosso mundo com comentários sobre arte, moda, política, economia, comércio, da mesma maneira, se poderia incluir o elemento igreja, já que lamentavelmente o estilo contemporâneo não apresenta uma contracultura, mas manifesta uma adaptação cultural invejável para qualquer antropólogo cultural. É claro que existem aspectos positivos na igreja contemporânea. Mas nesse segundo ponto vou marcar os negativos, ou ao menos os riscos que a igreja corre hoje por estar debaixo do cativeiro cultural.

1. O estilo da igreja contemporânea é o da teologia débil: O capitalismo com sua nova cosmética suave, se manifesta na igreja, que hoje em dia privilegia a aparência, de estilo suave. Hoje vivemos no tempo da igreja arty (artística), friendly (amigável), slow (devagar). Um Evangelho sem Reino, e sem Rei. Um evangelho sem demandas, sem compromissos. O protestantismo (igrejas protestantes e evangélicas) de hoje, tem duas vertentes ou manifestações, no que diz respeito a essa suavidade, essa brandura. Por um lado, uma parte do povo de Deus, herdeiro do movimento pentecostal-carismático, mantém, por causa disso, a busca da experiência, mas tem perdido a solidez bíblica, privilegia o alcance das pessoas em prol do crescimento numérico, mas despreza o discipulado e o crescimento em qualidade. Oferece espiritualidade somente do coração, mas não da cabeça. É mais terapêutica (conforto emocional) que teológica (espiritualidade que afeta a integralmente vida). Não há didaché, e portanto a gente não sabe o que é bom ou mal. Emociona-se, se entretêm mas não se transforma. O produto que sai é um cristão ligth, com uma vida superficial, fraca e um compromisso débil, sem poder de transformação para a própria vida e muito menos para a sociedade. Por outro lado estão os que, mais ligados a modernidade, assumem a pós modernidade como desdobramento daquela, e falam de uma teologia débil, em termos de esvaziamento do sobrenatural, sem intervenção divina na história, sem o milagroso e poderoso . Ambas vertentes tem algo em comum, que é um evangelho sem reino.

2. O estilo da igreja contemporânea é do evangelho mcdonalizado: O McWorld está colonizando a igreja com seus valores: individualismo, marcado por um evangelho de auto ajuda com sua experiência espiritual intimista, egocêntrica; consumismo, alimentado por uma religiosidade de consumo que busca a auto-satisfação; materialismos com a versão do evangelho da prosperidade e a sedução do dinheiro e do poder do que são vitimas tantos pastores e líderes. As cadeias de televisão cristãs que retransmitem seus programas em dezenas de países do mundo, são um veículo privilegiado para a transmissão do evangelho cultural norte americano, e que produzem em todo o mundo uma igreja que reflete os valores da cultura pós moderna imperante do que os valores do Reino, e semeia nos corações dos crentes do mundo não desenvolvido aspirações que é relacionado mais com o American Dream e o critério de progresso norte ocidental, que com o shalom de Deus. Como alguém falou: a semente do evangelho foi plantada na Palestina, dali viajou para a Europa, dali para os Estados Unidos e dali, junto com a semente, veio o vaso completo. Na America Latina recebemos as piores versões desse evangelho macdonalizado de sabor norte americano, através da mediação de certos ministérios centro e sul americanos, os quais, aos valores do McWorld, agregam sua cota de autoritarismo, ostentação, manipulação, típicos de nossa cultura hispanoamericana.

3. O estilo da igreja contemporânea é o do novo protestantismo de ficção: Eu encontro um paralelismo entre o desenvolvimento do capitalismo em suas três fases, capitalismo de produção, de consumo e de ficção, com o desenvolvimento do protestantismo desde a revolução industrial até o dia de hoje. O capitalismo de produção tem como seu correlato um protestantismo pietista, com sua ênfase na razão, no esforço, na renúncia, na ética pessoal. Esse protestantismo enfatizou a doutrina, o dogma, produziu as denominações, os seminários, as missões modernas. Depois, a partir do século XX, lhe seguiu um protestantismo pentecostal-carismático, correlato do capitalismo de consumo, e que foi privilegiando a experiência no lugar da razão, que promoveu uma busca do bem estar espiritual, físico e material, em lugar do sacrifício, do esforço e da renúncia. O eixo da missão passa para as campanhas massivas. As denominações entram em crise e crescem as chamadas igrejas independentes. E hoje o correlato do capitalismo de ficção é o protestantismo de ficção, compartilhando metodologias e valores: o eixo da missão passa pelos meios de comunicação, promove-se o bem estar emocional, reforça-se o euismo, a brandura ética e de pensamento, a afirmação pessoal e o crescimento numérico eclesial. Sabendo que toda generalização é injusta, o quadro a seguir pode nos ajudar:

Protestantismo pietista

Protestantismo Pentecostal-carismático

Protestantismo de ficção

Ênfase

Razão, ética individual.

Experiência espiritual

Bem estar emocional individual

Características

Entrega, abnegação, sacrifício, renúncia.

Devoção, pregação, dons, manifestação de poder espiritual

Sentir-se bem, progredir, conquistar, busca de poder político e material

Poder

Do esforço e da autodisciplina

Sobrenatural por meio do Espírito Santo

Político, numérico e material

Ministério

Pastor visitador e missionário

Pastor evangelista

Pastor homem de mídia e gerente

Organização

Denominações

Igreja independente

Célula: igreja celular e igreja emergente

Eixo da missão

Plantação de igrejas

Campanhas massivas de milagres

Igrecrecimiento

TV e outros meios

Verdade

Resultante da exegese bíblica.

Dogma.

Resultante da revelação do Espírito.

Experiência.

Resultante de um pragmatismo individualista e relativista

4. O estilo da igreja contemporânea é o do espetáculo e a diversão: Nos tempos de Jesus, haviam feito de sua casa de oração, um mercado. Em nosso tempo temos feito de nossos cultos shows, e de nossos templos sets de televisão. E isso não estaria mal se não fora porque refletimos como igreja esse estilo festeiro. Somente a modo de ilustração, um dos eventos espirituais mais numerosos e impactantes da história da Argentina, não foi presidido por um pastor, mas por um imitador cômico, e não houve canções de adoração, mas números musicais de artistas de certa fama secular. Porque um imitador e não um pastor? Porque tudo que ser divertido. Porque artistas seculares e não adoradores? Porque o que se quer é dar um bom show. Em dimensões menores, sucede a mesma coisa em muitas congregações. Um bom pregador é o que faz muita graça, e ele é apresentado não como pregador, mas como “comunicador dinâmico”. Porque tudo tem que ser divertido. Em muitos países, a gente assiste mais a congressos onde os que ministram são cantores e não pastores. E não importa o que se transmite em termo de conteúdo, porque o que interessa é que the show must go on (o espetáculo precisa continuar). Em reação a isso, surgem novas formas cultuais como as das diferentes igrejas emergentes . Mas, outra vez, a reação não é produto de uma reflexão bíblico-teológica, mas motivada por uma compreensão e assimilação da pós modernidade. Assim o templo-set de televisão da mega igreja é substituído pela sepultura da oração, que se converte em outra cenografia de ficção para uma igreja que tem que seguir os mandatos da sociedade pós moderna, onde tudo é show.

5. O estilo da igreja contemporânea é o do evangelho infantil: O cristão médio de hoje em dia é resistente aos sacrifícios e a espera. É exigente do bem estar a curto prazo. A geração atual professa o que Giles Lipovetsky chama uma ética indolor . Uma vida que pede satisfações sem entregar nada importante em troca e menos ainda se for adiantado (antes de receber o que pediu). O altar não é lugar de morte, mas de recompensas. Os cristãos são vitimas dos mesmos males dos não cristãos, como compra compulsiva e a desordem, como alguns dos traços de uma cultura em que o eu infantil é entronizado. O querer-se a si mesmo acima de tudo, amar a criança que temos dentro de cada um. O passar por cima dos erros e reforçar suas conquistas e diverti-los continuamente. A super ênfase na cura interior como uma volta permanente à infância. A postergação indefinida nos jovens para assumir compromissos afetivos, como parte de sua evidente resistência a ser adultos. A escassez de compromisso pela transformação social. As sérias dificuldades nos adultos em assumir responsabilidade. O pensamento mágico que espera que Deus faça o que o crente deve fazer. O negar-se a tomar conta de sua própria vida. O turismo congregacional, que faz com que os crentes vivam trocando constantemente de igreja, segundo o show ou o serviço que lhe ofereçam, evitando, dessa forma ser discipulados. A liderança pastoral com fantasias infantis de ser “o” homem de Deus para a cidade. São algumas das características de uma igreja que reflete uma cultura infantil.

6. O estilo da igreja contemporânea é o do evangelho falsificado: A igreja não está isenta da influência do mundo da falsificação, da cópia, da franquia. Há um pseudo evangelho que não requer que as pessoas mudem, ainda que Jesus Cristo disse que temos que nos converter. Não requer compromisso, basta emocionar-se. Eu posso continuar sendo o centro de minha vida, poso continuar mandando na minha vida. Isso é muito mais barato do que o que Jesus pretende: “o que quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz a cada dia e siga-me”. Negar-me a mim mesmo, crucificar meu egocentrismo a cada dia e segui-lo? A cópia é mais econômica. E como é um evangelho sem reino, confunde-se crescimento numérico com extensão do Reino. O problema com essa visão é que em Buenos Aires, nos últimos 20 anos quase todas as congregações têm crescido, mas o estado da cidade é significativamente pior que 20 anos atrás. Isso significa que ao fazer uma análise do estado espiritual, moral, econômico, social, educativo da cidade, não vemos que o Reino de Deus tenha se estabelecido apesar do crescimento numérico.
Em prol do crescimento numérico da igreja e a partir de uma visão pragmática da realidade, copiam-se receitas do que funciona em outras latitudes. E o fenômeno próprio da globalização das franquias, se repete hoje na igreja. E afirma-se rotundamente, “A visão não se adapta, mas se adota”. Como o objetivo da globalização é a homologação pela via da homogeneização, todos tem que trabalhar para a visão do pastor, e ao cabo de alguns anos, se a visão teve êxito, o único realizado, prosperado e satisfeito é o pastor, enquanto isso há um povo empobrecido, sem desatar seu potencial, sem concretizar seu propósito. Claro que para que se cumpra a visão é necessário a super-visão. E em um contexto como o latino americano isso significa autoritarismo, controle, manipulação. Em algumas congregações há um tipo de Grande Irmão, com uma supervisão própria das seitas. Porque a visão justifica tudo. Ainda que passar por cima das visões pré existentes, isto é, as visões do Reino, como por exemplo: que sejam um para que o mundo creia. “A unidade não importa, porque não posso negociar a visão que Deus me deu.”

7. O estilo da igreja contemporânea é o do hiperindividualismo: O indivíduo é o centro, ainda que não tenha uma identidade definida. No modelo de múltiplos eus, equivale a ter múltiplas identidades cristãs, que é o mesmo que dizer a falta de identidade cristã. Os cristãos pós modernos são como um Lego. Ótimo para as alianças voláteis e o sincretismo. Na igreja de hoje também quem manda é o “cliente” . Os programas são resultado de estudo de mercado, como se o Evangelho do Reino de Deus fora um produto para ser vendido, e para ser adaptado para que possa ser aceito pela massa. Qualquer coisa que ofenda aos consumidores desse evangelho, deve ser suprimido. Algumas igrejas, para dar satisfação ao consumidor, procuram não falar de pecado, nem de santificação, nem de negação, mas enfatizam os benefícios temporais de ser cristão, pondo o consumidor no centro, no lugar de Deus. A mensagem está mais centrada em aliviar o stress que no seguir a pessoa de Cristo. O movimento “Sensíveis aos que Buscam” que envolve um grande numero de mega igrejas nos Estados Unidos e em outras partes do mundo, tem ensinado que se as igrejas quiserem crescer devem se transformar em igrejas sensíveis e adequadas ao perfil e aos gostos dos que estão em busca de uma igreja. Isso tem alguns aspectos positivos, mas também significa pregar sobre o amor e não sobre o pecado; ensinar sobre o pensamento positivo e a auto ajuda; investir em conforto em instalações de entrenenimento; ser mais tolerantes com o comportamento dos membros, substituir a adoração comunitária pelo canto de artistas. Para muitos pastores a meta não é ser parte de um avivamento, mas ser famosos mediáticos. Não buscam transformar a cultura, mas serem aceitos por ela. Não se busca ser profetas, mas grandes comunicadores.

8. O estilo da igreja contemporânea é o da substituição da ética pela cosm-ética: O deus do cristão pós moderno não pode ser muito exigente. Posto que o indivíduo pós moderno obedece a lógicas múltiplas, sua postura religiosa também tem lógicas múltiplas. Como é um evangelho sem Reino, não há normas absolutas, tudo é relativo. Assim temos, só para mencionar um exemplo, milhares de pastores presos na pornografia via internet, graças ao que os americanos chamam de o Triplo A: anonimity (anonimato), Access (acesso fácil), affordability (preço baixo). A palavra pornografia, deriva de perné escravo. E porné era a forma de chamar as prostitutas e aos escravos dos quais se podia aproveitar sexualmente. O fato é que temos que ir contra um mundo governado por um espírito de imoralidade, com uma igreja liderada em boa parte por escravos desse mesmo espírito. O estilo da igreja contemporânea salmodia uma felicidade intimista e materialista e a satisfação dos desejos imediatos, com um cristianismo do posdever (não há mais que se responsabilizar por nada) que privilegia o bem estar em detrimento do bem. Uma fé apartada do dever austero, cosmetizada de “bêncão”.

Parte – 3 - (Carlos Miramda)

III. O estilo do Reino:

Peço desculpa porque a apresentação aparece como sendo muito negativa quanto ao estado da igreja. Como disse, existe, claro, aspectos muito positivos na igreja de hoje. Mas me concentrei no negativo, não só por razoes de espaço, mas por causa da missão dada por Paulo a Tito: “Por esta causa te deixei em Creta, para que corrigisse o deficiente, e estabelecesse anciãos em cada cidade, assim como te mandei” e sobre tudo pelo chamado que há sobre a Igreja. Estou usando a palavra estilo, não só por que é a palavra usada pela pós modernidade, como foi explicado anteriormente, mas porque deriva da palavra grega stylo, mas por que é a palavra usada por Paulo quando escreve a Timóteo e lhe diz: “se tardo, saiba como se deve conduzir na casa do Deus Vivo, coluna (stylo) e baluarte da verdade” (1Tm 3:15). Então estou usando a palavra estilo não no sentido de moda, ou simples aparência, mas no sentido de coluna. Esse é o chamado da Igreja, ser coluna (stylo) da verdade. O problema é que se a Igreja em lugar de ser coluna (stylo) da verdade, é coluna (stylo) da cultura predominante, é impossível que o Reino se estabeleça em realidade. Por isso a igreja deve refletir o estilo do Reino e ser livre do cativeiro cultural. As Parábolas de Mateus 13 foram ditas por Jesus, para que nos fosse dado conhecer os mistérios do Reino, e o reflitamos.

1. O estilo do Reino é como a boa terra: Diante do pensamente débil e seu correlato da teologia débil, o reino de Deus é semelhante a semente da Palavra que cai em boa terra: “Mas o que foi semeado em boa terra, este é o que ouve e entende a palavra, e dá fruto; e produz a cem, a sessenta e a trinta por um” (MT 13:23). O cativeiro cultural do qual a igreja é vitima, tem feito com que a Bíblia perca sua centralidade. Mas segundo Jesus, a receptividade e a obediência à palavra, é o que determina o tipo de terreno, e o fruto correspondente. O evangelho será contracultura com poder de transformação unicamente se a Palavra tem status de Verdade. Do contrário, não só a igreja perde seu poder libertador, como termina cativa de uma cultura onde nada é verdade absoluta. “Cuidem de que ninguém os cative com a vã e enganosa filosofia que segue tradições humanas, e que vai de acordo com os princípios deste mundo e não conforme a Cristo” (Cl 2.8 NIV). Diante uma sociedade que se derruba a partir da erosão do conceito da verdade, a igreja deve recuperar seu chamado para ser coluna (stylo) da verdade.

2. O estilo do Reino é como uma semente que cresce: Perante uma sociedade infantilizada, o Reino cresce, dá fruto. Quando a igreja reflete o estilo do mundo, e deixa de ser expressão da cultura do Reino, mantém seus membros em infância espiritual. Segundo Gálatas 4, a infantilidade espiritual faz que, sendo senhor de tudo, o crente viva como escravo. Assim temos um povo de Deus chamado para ser cabeça da realidade, mas que vive como cauda, que brinca nos cultos pondo o diabo a seus pés, mas experimenta a opressão em sua vida familiar, econômica e na sociedade toda. Um povo empobrecido, que brinca às escondidas, fugindo da realidade. Porém, na cultura do Reino tudo nasce pequeno, mas tudo cresce, amadurece, atinge propósito, cumpre sua missão de transformação. Muito do terreno da igreja está junto do caminho, sem raízes, entre pedras e entre espinhos. Três manifestações de imaturidade. O problema é que enquanto a igreja permaneça na infância, seguirá em cativeiro cultural: “Assim também nós, quando éramos meninos, estávamos em escravidão debaixo dos rudimentos do mundo” (Gl 4:3). É preciso guiar o povo de Deus a maturidade a partir dos princípios do Reino “Para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente” (Ef 4:14). O crescimento numérico tão espetacular da igreja nos países não desenvolvidos não tem sido acompanhado de um crescimento integral. E outra vez, o deterioro do conceito da verdade é chave, e a restauração da centralidade da Palavra se torna indispensável: “mas seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que o cabeça, isto é, Cristo”. A distorção do que é bom e do que é mal dentro do povo de Deus e ainda dos pastores é conseqüência dessa imaturidade: “Porque qualquer que ainda se alimenta de leite não está experimentado na palavra da justiça, porque é menino mas o mantimento sólido é para os perfeitos, os quais, em razão do costume, têm os sentidos exercitados para discernir tanto o bem como o mal” e isso resulta em uma incapacidade para ser instrumentos de justiça no mundo. Por isso a igreja deve recuperar seu papel de coluna (stylo) da verdade do Reino.

3. O estilo do Reino é como o trigo: Diante da substituição da ética pela cosm-ética, o Senhor não nos manda arrancar aos maus, mas que cresça o trigo. A distinção tem que ser evidente. Deve-se manifestar uma contracultura, a do Reino. Precisa-se voltar a enfatizar a necessidade de ser um povo diferente, de maneira que haja opção para o mundo. O cristianismo como uma verdadeira “contracultura”, é viver o evangelho e o cristianismo como a verdade a partir da qual se articulam todas as áreas de nosso viver. Tudo está permeado pelo Reino, tudo está sujeito a ele. É muito mais do que concordar com um dogma e a algumas práticas. Trata-se de uma cosmovisão diferente, a partir da verdade de Deus. Porque toda transformação vem por meio da renovação do entendimento de um povo que não se conforma com este mundo (Rm 12:2-3). A igreja coluna (stylo) da verdade do Reino. Porque nossa verdade não é uma verdade entre muitas. É a verdade, Jesus Cristo, a verdade que nos faz livres. Hoje a igreja não é uma contracultura, mas uma subcultura do mundo, isto é, não algo diferente da cultura pós moderna imperante, mas a mesma cultura com algumas características próprias de grupo. Desta forma perdemos a capacidade de salgar e iluminar. Jesus não constituiu uma comunidade sub cultural dentro do judaísmo de seu tempo, mas uma comunidade contracultural, absolutamente revolucionária, a partir dos mandamentos do Sermão do Monte. Mas muitas dessas coisas não se ensinam mais na igreja. Como escreveu John Stott, em relação a uma juventude desencantada que busca algo diferente “constantemente o que vêem na igreja não é uma contracultura, mas um conformismo; não uma sociedade que encarna os ideais que eles têm, mas uma outra da antiga sociedade a qual têm renunciado; não vida, mas morte. Hoje atribuiriam à igreja o que Jesus disse de uma igreja no primeiro século: ‘Tens nome de quem vive, e estás morta’”.

4. O estilo do Reino é como a semente de mostarda: Benjamin Barber em seu livro Jihad vs. McWorld argumenta que as duas forças maiores que determinam o futuro da humanidade são as forças da globalização (McWorld) e a da fragmentação (Jihad) e que praticamente a gente deve escolher entre uma e outra . Não devemos resignar-nos a uma mcdonalização do evangelho, nem assumir um fundamentalismo integrista. Nós não temos que escolher entre essas duas forças. Porque Jesus ensinou que há uma terceira força que está operando no mundo: o Reino de Deus que está trabalhando por meio do poder subversivo da semente de mostarda e que faz nova todas as coisas . A igreja deve ser a coluna (stylo) dessa verdade.

5. O estilo do Reino é como o fermento: Em face a um protestantismo de ficção, devemos recuperar a capacidade transformadora do fermento que teve a Reforma, a capacidade expansiva do fermento que houve no pietismo com seu movimento missionário, a capacidade levedante do protestantismo Pentecostal-carismático. O resgate dessas três dimensões produziria um verdadeiro avivamento. Um mover do Espírito, que enche a terra e que produz transformações que afetam as gerações seguintes (“mostrar nos séculos vindouros” ). A mentalidade e a teologia de conquista, tão popular hoje na igreja latino americana, posiciona o cristianismo não como cultura redentora, mas com a pretensão de cultura dominante. Deixa de ser cristianismo para converter-se em cristandade, deixa de ser fermento para converter-se em massa. A categoria de conquista é velho testamentária. A categoria do Novo Testamento é a redenção, não a conquista. Na América Latina devemos aprender de cinco séculos com uma igreja que conquistou mas não redimiu. Devemos ser livres desse cativeiro cultural e ser coluna (stylo) da verdade redentora do evangelho.

6. O estilo do Reino é como um tesouro escondido: Diante do estilo da diversão que só desencanta e some na apatia pós moderna, o que encontra o tesouro escondido do Reino volta gozoso, vende tudo para comprar o campo. A igreja deve liberar-se dessa cultura do show e de que tudo deve ser divertido. Como diria Mamerto Menapace, devemos diferenciar claramente entre estar divertido e estar contente. Em latim contentus significa conteúdo. Por exemplo: a água que está em um vaso está contida, contente. Enquanto que se eu a derramo, essa água está di-vertida, sem contenção. O Reino produz contentamento, não diversão.

7. O estilo do Reino é como una pérola de grande valor: Diante da cópia falsa, ou pseudo evangelho, manchado de busca de poder humano, político, numérico, os “comerciantes” devemos deixar de buscar essas pérolas falsas, e vender tudo para comprar a pérola do Reino. Não é o poder político o que transformará a realidade, não é o poder numérico que impactará a cidade, não é o poder econômico que posicionará a igreja como cidade edificada sobre um monte. É o poder do Reino, o poder de uma igreja que vive diferente, o poder da pregação da verdade eterna, da qual é coluna (stylo), o poder espiritual de uma igreja que vê nas ruas os milagres e sinais que respaldam a palavra, o poder de uma igreja unida que vive com autenticidade o amor que declama.

8. O estilo do Reino é como uma rede: Em face a um mundo fragmentado e hiperindividualista , o reino de Deus é como uma rede. Esse avivamento liderado pelo Espírito Santo, de alcance mundial, com poder transformador de vidas e estruturas sociais, e que transcende às gerações seguintes, requer de uma igreja unida: que sejam um para que o mundo creia. A unidade não é um adorno da igreja, mas um requisito, uma coluna (stylo) da verdade e do avivamento. O Reino de Deus é singular, e sua agência principal, a igreja em cada cidade, também é uma. Em um mundo de confrontações culturais, a igreja deve apresentar um modelo diferente, do qual ela é exemplo. Essa condição de exemplo ainda está pendente. Sem essa expressão visível da unidade que Cristo ganhou na cruz, nossa mensagem, perde singularidade, e se converte em uma mensagem a mais.

Parte – 4 - (Carlos Miramda)

Conclusão – Uma agenda apostólica:

Jesus veio implantar uma nova cosmovisão, una nova cultura (crenças, valores e comportamentos). Essa cultura é a do Reino. Por isso ensinou a orar: Venha teu Reino, seja feita tua vontade na terra como no céu. Creio que a chave para que a igreja volte a ser coluna (stylo) da verdade é restauração completa das colunas (styloi) da igreja, que são os apóstolos: “Com efeito, Tiago, Pedro e João, que eram considerados colunas (styloi), reconhecendo a graça que eu havia recebido, nos estenderam a destra a Barnabé e a mim em sinal de companheirismo. De modo que nós fossemos aos gentios e eles aos judeus” (Gl 2:9). Somente como sugestões que ilustram o ponto, permitam-me dar oito pistas do que creio ser urgente para que a igreja reflita a cultura do Reino, e não a cultura imperante do mundo, para que seja verdadeiramente coluna (stylo) da verdade:

1. Um ministério apostólico que trabalha prioritariamente pela unidade da igreja em cada cidade: Segundo o Novo Testamento há uma só igreja em cada cidade. Segundo Jesus a unidade é requisito para o avivamento: que sejam um para que o mundo creia. Quanto mais na sociedade fragmentada do mundo pós moderno. Segundo Efésios 3, esta tarefa apostólica, não tem relação direta com o tamanho do ministério de alguém em uma cidade, mas com a revelação recebida do mistério da igreja, como um só corpo em uma cidade: “Como me foi este mistério manifestado pela revelação... O qual noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens, como agora tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas... A mim, o mínimo de todos os santos” (Efesios 3.3,5-6,8). A unidade da igreja em sua cidade deve ser prioridade na agenda de um apóstolo.

2. Um ministério apostólico que estabeleça o presbitério da cidade: Essa unidade será impossível se os ministérios apostólicos em uma cidade não se integram com uma visão do Reino e estabeleçam o presbitério da cidade, agrupando a todos o pastores da cidade para começar a funcionar como estabelece Efésios 4, segundo os ministérios, para que a igreja da cidade cumpra seu ministério na cidade. Em muitas partes do mundo tem-se avançado na unidade por meio da formação de Conselhos e Fraternidades de Pastores. Esse tem sido um passo que coopera para a unidade. Mas ainda é insuficiente para poder concretizar a unidade. O modelo dessas responde a uma visão mais institucional que espiritual missiologica. Devemos passar ao presbitério da cidade. Onde os cinco (ou quatro) ministérios de Efésios 4 se liberem para a igreja cumpra sua função de ministrar, não tão somente ao rebanho, mas a cidade.

3. Um ministério apostólico que pastoreie aos pastores: A necessidade número um dentro da igreja contemporânea são os pastores. Estão órfãos, estão sem rumo, estão mal formados, estão necessitados de saúde emocional. Estão necessitados de paternidade apostólica. Num tempo em que os apóstolos se preocupam com a expansão do evangelho e o crescimento numérico da obra, é indispensável servir no amadurecimento da liderança, em especial dos pastores.

4. Um ministério apostólico que encha as cidades com o didaché: O sumo sacerdote disse aos apóstolos: Dizendo: “Não vos admoestamos nós expressamente que não ensinásseis nesse nome? E eis que enchestes Jerusalém dessa vossa doutrina”. Os apóstolos responderam: “É necessário obedecer a Deus antes do que aos homens” (At 5.27-29). Obedecer a Deus antes que aos homens implicava encher a cidade da didaché. Quando o cristianismo produz uma mudança cultural, uma mudança da cosmovisão nos mundo judeu e no mundo grego, uma das tarefas essenciais dos apóstolos foi o ensinamento. Por isso os adversários lhes ordenava que não ensinassem. Mas eles encheram a cidade com a doutrina. Com a pós modernidade, se faz preciso neste momento de mudança cultural, nessa mudança de cosmovisão, reforçar o ensino apostólico, isto é o ensino da cosmovisão do Reino, por boca dos apóstolos, para que a gente saiba como viver. E perseveravam na doutrina dos apóstolos (At 2:42). Não de pastores, mas de apóstolos. Porque os pastores hoje não tem claro a didaché neotestamentária. É necessário um forte reforço do ministério apostólico com o ensinamento.

5. Um ministério apostólico que mire a realidade desde os mais necessitados: Alegramo-nos com a consciência crescente na igreja de sua necessidade de exercer influência em todos os âmbitos da realidade incluindo o político. No entanto, atrás dessa mentalidade de conquista, e não de redenção, há muito de busca de poder, e pouca visão bíblica da política que começa, precisamente, vendo o político com os olhos das vítimas. Tão sensíveis como somos na America Latina ao tema dos direitos humanos, poucas são as vozes que se levantam para denunciar as perseguições e mortes que nossos irmãos sofrem no mundo islâmico. Permitam-me, diante do evangelho do show divertido, diante aos pseudo apóstolos da ostentação, honrar os irmãos que nestes dias estão sendo perseguidos em Ossira e outros lugares da terra. Se Deus tem visto a opressão de seu povo, que sejamos também capazes de ver. O mesmo em relação aos que sofrem injustiça, miséria marginalização. A condição sine qua non que os apóstolos impuseram a Paulo para reconhecê-lo como tal foi que não se esquecesse dos pobres (Gálatas 2.10). Quando vemos hoje a caricatura do ministério apostólico, que entre outras coisas tem mudado a condição sine qua non da atenção aos pobres aos que sofrem, por uma teologia da prosperidade, que ignora o sofrimento, é necessário um ministério apostólico que com urgência recupere essa visão bíblica, superando o assistencialismo e guiando processos de transformação social e promoção humana.

6. Um ministério apostólico respaldado por sinais, maravilhas e prodígios: No mundo da pós modernidade, onde a verdade é absolutamente relativa, e a verdade do evangelho, é somente “nossa verdade”, essa “nossa verdade” precisa o respaldo dos sinais e milagres. Esperar que Deus respalde a palavra com sinais e milagres, de maneira tal que seja manifesta a intervenção de Deus na história. O ensino apostólico e os sinais apostólicos são duas colunas para a unidade dos pastores em uma cidade. O ensino apostólico nivela e os sinais convocam e unem a liderança em uma cidade: “e pela mãos dos apóstolos havia muitos sinais e prodígios no meio do povo; e estavam todos unânimes no pórtico de Salomão” (At 5:12) O ensinamento e os sinais caminham juntos. Rejeitamos a dicotomia entre ministérios docentes e ministérios de poder. Nicodemos pode reconhecer a autenticidade do ensino de Jesus pelo sinais que fazia: “Rabi, bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for com ele” (Jo 3:2)

7. Um ministério apostólico com um plano estratégico para o mundo: O ministério apostólico em uma cidade estabelece o Presbitério da cidade: “estabelecesses anciãos em cada cidade como te mandei” (Tt 1:5). E o presbitério da cidade, por sua vez, reconhece o ministério apostólico emanado dessa cidade: “E na igreja que estava em Antioquia havia alguns profetas e doutores, a saber: Barnabé e Simeão chamado Níger, e Lúcio, cireneu, e Manaém, que fora criado com Herodes o tetrarca, e Saulo. E, servindo eles ao Senhor, e jejuando, disse o Espírito Santo: Apartai-me a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado. Então, jejuando e orando, e pondo sobre eles as mãos, os despediram” (At 13:1-3). O Presbitério da cidade, inspirado por seus apóstolos, estabelecem um plano para a cidade. Por sua vez, os ministérios apostólicos reconhecidos do mundo, devem reunir-se não somente para compartilhar, mas também para receber revelação para um plano estratégico para o mundo, que seja eficiente para alcançar a cultura presente. Nesta apresentação, vimos as características negativas dessa realidade, mas a cultura da pós modernidade, também oferece oportunidades extraordinária para a extensão do evangelho.

8. Um ministério apostólico em permanente busca do Espírito: Todos os que estamos aqui, fomos formados na cultura da modernidade, mas devemos ministrar na cultura da pós modernidade. Todos os que estamos aqui nascemos na etapa do Protestantismo Pentecostal-Carismático, mas somos testemunhas de um Protestantismo de Ficção que devemos mudar. Todos que estamos aqui fomos formados para liderar uma congregação “local”, porém logo descobrimos que a ênfase bíblica de que a localidade não é paróquia do templo, mas a cidade. Todos os que estamos aqui fomos formados para defender os princípio e interesses denominacionais, muitas vezes, contra outros, porém hoje Deus nos empurra para sermos agentes ativos para a unidade da igreja na cidade. Todos os que estamos aqui fomos chamados para pastorear ovelhas, mas logo nos vimos pastoreando pastores. Todos os que estamos aqui fomos chamados para ser pastores, mas agora há uma demanda para uma tarefa apostólica. Isto é, em questão de poucos anos o mapa de nosso ministério foi mudado. Estamos em uma esquina de nosso ministério, envolvidos em um processo de mudanças para as quais não fomos preparados, ministrando em uma sociedade que também está experimentando esse momento de esquina cultural, com câmbios inusitados. Todos os que estamos aqui necessitamos ser expressão do poder e da sabedoria de Deus por meio do ensino e dos sinais apostólicos, de maneira tal que cause impacto a realidade atual. É mais que óbvio, nossa debilidade, nossa incapacidade, nossa limitação. Mas é a grande oportunidade, se nos mostramos débeis, incapazes, limitados e vulneráveis, para que Seu poder se aperfeiçoe em nossa debilidade. Por isso se faz indispensável uma busca cada vez maior e desesperada de Seu Santo Espírito. Os apóstolos, colunas (styloi) da igreja, coluna (stylo) da verdade, necessitamos uma unção renovada do Espírito Santo para esse tempo. Diante de nós temos um tempo maravilhoso, o melhor tempo de nosso ministério. Veremos uma igreja madura, sadia, sem manchas e sem rugas, unida. Uma igreja que refletirá a cultura do Reino, e em amor e serviço implantará esse Reino em um mundo necessitado de Deus. Mantenhamo-nos unidos, dependentes do Espírito, e expectantes, porque inevitavelmente a terra será será cheia da glória de Deus, como as águas cobrem o mar.